quarta-feira, 10 de março de 2010

Luiz Valcazaras



Valcazaras é diretor teatral, dramaturgo, criador e agitador cultural. 

Luiz, conta sobre a sua experiência com cinema.
Na verdade, eu vou contar uma experiência muito singular do cinema. O cinema me acompanhou muito perto na infância, porque meu pai era dono de cinema no interior de São Paulo, então eu era mais conhecido como o filho do dono do cinema. Então toda a geração que eu tive com a arte de representação começa com o cinema principalmente com esse contato que eu tinha com o meu pai. Eu era muito jovem, era menino e ficava na casa de máquinas vendo eles rodarem as bobinas de filmes, assistia filmes pela janelinha de onde se projetava. Meu universo cinematográfico começa desde a infância.

Com essa possibilidade que eu comecei a pensar em sair do interior e criar uma arte que fosse muito próxima ao cinema. Nessa época não tinha ainda o cinema novo, o cinema era uma coisa ainda muito difícil, ele não era tido como indústria aqui no Brasil. A dificuldade de fazer cinema era muito grande. Então eu achei que me aproximando do teatro, eu estava mais próximo como artesão, estava mais próximo de uma arte que eu pudesse executar, independente de um grande patrocínio, enfim, estava mais em cima das minhas possibilidades. E eu comecei a trabalhar como ator de teatro, daí comecei a descobrir que é importante numa interpretação, os atores tinham um equilíbrio entre prazer e responsabilidade, achei isso muito bacana.

Eu enquanto ator, sentia mais responsabilidade do que prazer, porque eu queria ser o melhor. Então eu comecei a estudar todas as coisas que envolvem o teatro, iluminação, direção, trilha sonora, figurino, enfim, tudo que embargava o universo da interpretação. A dado momento eu vi que esse equilíbrio de prazer e responsabilidade encaixava quando eu estava dirigindo. Eu estou levando mais a entrevista para o lado do teatro, porque é onde eu domino mais, mas todos os meus trabalhos, todas as minhas concepções no palco deve diretamente para o cinema. No cinema nós temos vários tipos de cortes, tem o americano, de close e tal, e no teatro agente tem que trabalhar só com dois cortes, que é plano geral, e plano detalhe, ou você abre a cena e fala do universo vasto que está passando ali, ou você fecha em um foco de ação como se fosse um plano detalhe, como se fosse só no que o ator está contanto. Todas as minhas criações estão muito baseadas no universo do cinema, hoje eu costumo brincar, hoje não, nós temos a edição digital...

Luiz, você pretende ir mais fundo, já que seu trabalho tem essa inspiração no cinema, e ir efetivamente para o cinema, talvez um curta-metragem, que é uma coisa mais experimental, que aproxima um pouco do teatro, que não tem que seguir tanto os trâmites do cinema?
Na verdade a experiência que eu tive, além de fazer alguns curtas, e como trabalho diretamente vinculado ao ator, mesmo o Evaldo Mocarzel além de fazer documentários, ele tem uma enorme vontade de fazer ficção. Ele me procurou certa vez, porque ele queria ter mais esse dia-a-dia do ator. Então eu chamei ele para o meu grupo e falei, olha você vai ter uma experiência no teatro, dentro da sala de ensaio, para ver como um diretor interage com o ator. E ele veio e entrou como se fosse um teórico assistindo, eu o viele fazendo os exercícios com os atores, interagindo com os atores, foi uma experiência muito legal. Em contra partida, ele me levou para um lugar de cinema, que era para ter a mesma experiência que ele teve com o teatro, eu ter com o cinema. E ele me convidou para fazer essa experiência de direção, do “Do Luto à Luta”, e como é um documentário a gente não consegue sair ileso, porque nós não estamos fazendo ficção, a gente está fazendo com a realidade das pessoas, agente invade a casa das pessoas, invade a vida das pessoas. E essa experiência que é um documentário me abriu uma vontade muito grande de trabalhar com o cinema.

Depois ele rodou ‘À Margem do Concreto’, o roteiro inicial ele queria trabalhar com partes ficcionais. Então a parte que era documentário ele trabalhou, e a parte que era ficcional eu trabalhei com pessoas que ocupam prédios, e a gente fez vários rituais diante de fogueiras, diante de ocupações e tudo mais. E na verdade com um papo, acho que com o Bernardet, ele falou que era legal ficar só na ficção. E então o Evaldo, depende, acho que quando ele lançar esse filme em DVD, fazer uma parte sobre o que foi montado dessa parte que é mais teatral. Mas ficou essa vontade de ir um pouco mais a fundo, como eu falei para você, o cinema não depende só da visibilidade, ele depende de toda uma gama de fatores que são logísticos e que entrar nesse meio, não é só com boa vontade que agente entra, tem que ter certa política, tem que saber com que produtora que trabalha. Com um simples roteiro por melhor que seja, se ele não estiver embasado nesse fundo industrial dificilmente vai pegar um edital. É o que eu penso.

Como é trabalhar com o texto de teatro e de cinema? Quais são as diferenças ou as similaridades que você encontra nessas duas frentes?
Na verdade os dois veículos têm uma proximidade porque eles dependem do trabalho do ator. Dizem que o teatro é a arte do ator, e o cinema a arte do diretor. Mas essa inter-relação entre a direção e a arte de interpretar tem que estar muito afinada, muito ligada, para que no cinema o ator possa se expressar diante da tua arte dentro da concepção que o diretor está esperando. Às vezes uma grande expressão que é feita no teatro, um movimento de câmera pode resolver. E a outra coisa que é muito importante, é que no teatro você trabalha, na maioria dos casos, de uma forma linear, você tem uma história, você tem um estudo, você mergulha naquele personagem e quando você vai fazer a peça, você faz de uma maneira contínua. No cinema, eu acho que exige muito da concentração do ator, justamente pelos cortes, mudanças de câmera, e ele tem que manter uma linearidade de sentimentos, de emoção diante do que o personagem exige, sempre fragmentado.

Às vezes você está com uma emoção muito forte, tem que cortas, mudar a luz, mudar a câmera, e você continuar com aquela emoção. Eu acho na verdade genial, acho que os bons atores têm isso, uma arte esquizofrênica, quando você trabalha pensamento, emoção fragmentados, esquizofrenia que é espírito cingido, espírito fragmentado. É uma alegoria que eu estou fazendo para mostrar que como o ator consegue deturpar a sua emoção, um texto mantém suas qualidades, agora fazer isso com a emoção, tem que ser muito bom, tem que ser muito experiente, tem que ser muito perspicaz o trabalho do ator no cinema. Por isso que quando o ator não tem essa experiência, um ator novo, como a gente vê ao trabalhar com adolescentes e crianças, depende muito do diretor, de como ele consegue dar o processo de continuidade na emoção de quem ele está trabalhando.

O teatro é mais retina, você assiste e aquilo se perde. Já teve algumas experiências que fora filmadas,como agora o Direções da TV cultura. Você acha que teatro dá para ser filmado, e virar um bom filme e um bom programa de televisão?
Eu acho que são duas linguagens diferentes, por exemplo, no teatro, quando você quer fazer silencia, você precisa de um silencio numa cena, não é a ausência de barulho que trás o silêncio. O silêncio é aquilo que o ouvido acostuma. Já foi provado que um ser humano isolado de tudo, ele vai ouvir o barulho do coração, quer dizer, o silencio absoluto não existe. Por que eu estou falando isso? Porque você tem que criar a noção de silencio no palco, o que seria isso? Se tiver um som de fundo em que o ouvido acostume e isso isole os sons que vem de fora, isso produz no teatro o silêncio. No teatro você tem que criar o silencio. Quando você vai filmar uma peça, eu não acredito que você registrar uma peça no palco, de um bom filme, são linguagens diferentes. Você tem que captar com a câmera o que seria o olhar do espectador, então você tem que reler o texto de teatro na forma do olhar do espectador. Isso daria um bom exemplo acho quer, era um filme de cinema, e que fundamentalmente é teatro, que é o Lars Von Trier, quando ele faz ‘Dogville’, o que se passa todo no estúdio, e a casa é desenhada no chão. Eu acho que a experiência de misturar essas duas linguagens, teatro e cinema, se conquista com maestria por Lars Von Trier em ‘Dogville’, ali você tem um cinema puro, uma narrativa cinematográfica maravilhosa, e é puro teatro, desde a concepção cenográfica, iluminação, os atores. No começo há um estranhamento, meio que se separar daquilo que está acontecendo, mas a narrativa vai te pegando de tal foram que dentro da sua cabeça, funde essas duas linguagens, teatro e cinema de uma forma exemplar. Existem outros filmes que foram concebidos e feitos desta maneira, mas acho que o melhor exemplo de uma bela fusão de linguagens teatro e cinema, com certeza para mim ‘Dogville’ é um dos melhores.