terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Até 2011!!!



Quero agradecer a todos que acompanham o blog desde o seu surgimento, aos que passaram a acompanhar neste ano e, em especial, aos 29 seguidores deste trabalho.
Em 2011 serão postadas muito mais entrevistas inéditas e exclusivas com o intuito de fortalecer o debate acerca do cinema nacional, especialmente sobre o curta-metragem.

Desejo a todos um Feliz Natal e um excelente 2001!

Rafael Spaca.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Conheça as várias faces de R.F. Lucchetti - parte 1


EDITORIAL

Quem é ele?

Ele é sério e não sorri com os lábios, mas sorri com os olhos. É escritor, roteirista, pintor, sério e compenetrado em tudo que faz. Consegue escrever um livro em 24 horas, não se esquece dos deslizes das pessoas que o cercaram ao longo da vida, mas sabe desculpar sem mágoas. Ainda usa sua velha máquina para escrever seus textos e não cede à tecnologia. Diga poucas palavras e ele conseguirá pensar como você.

Começou a trabalhar aos 13 anos de idade, e aos 15, viu sua primeira história ser publicada. Já escreveu mais de 1.400 livros e introduziu o terror no Brasil. Ficou conhecido nacionalmente quando organizou na cidade de Ribeirão Preto um festival que homenageava Charles Chaplin, que por sua vez, tomou conhecimento e agradeceu a homenagem.

Ele é Rubens Francisco Lucchetti. Bom seria se todas as pessoas, independentemente de gostarem ou não de histórias de terror, tivessem a oportunidade de conhecer este que é um dos maiores roteiristas que o Brasil já teve. Para ele, no entanto, foi uma surpresa porque poucos sabem ou se interessam em saber o quanto ele tem para ensinar: e quando se interessam, param no meio do caminho.

Hoje, temos a certeza de que concluímos nosso curso de Jornalismo mais enriquecidos com o tema desenvolvido, tendo como base, a figura de Lucchetti e centrando o foco na participação dele para o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

É impossível responder quem ele é em apenas poucas linhas, mas neste jornal, será possível saber mais sobre a vida e a obra deste homem enigmático, que tanto contribuiu e ainda contribui para a cultura brasileira.

Conheça as várias faces de R.F. Lucchetti - parte 2


CONCEITOS

Lucchetti e a diferença entre terror e horror
Ivani Rosa

Muito já foi dito da diferença entre terror e horror, mas pode-se dizer de um modo mais simples, que o terror é o susto, o pavor, o medo causado por algo que se vê. O terror leva ao medo por aquilo que ele mostra, diretamente. O horror, por outro lado, choca e assusta indiretamente, mas de uma maneira muito mais profunda.

A maioria das histórias escritas por Rubens Francisco Lucchetti é de horror. Ele explica sua preferência por este gênero. “Eu gosto mais do horror, que é uma vertente mais poética, trabalha-se com o poder da sugestão e do mistério, enquanto no terror, as características são muito explicitas; é como uma realidade que não queremos enxergar. Prefiro o horror, mesmo porque minha criação literária sempre foi a do poder da sugestão”.

Na época em que Lucchetti escreveu histórias para a revista de José Mojica Marins, “Zé do Caixão”, elas traziam o terror do cotidiano, de conteúdo social. Mostravam problemas e verdades, que naquele período, possivelmente um dos mais repressivos já existentes no Brasil – não podiam ser expostos. Segundo, Lucchetti, o que ele fazia era apresentar o painel do dia-a-dia, nas histórias, como por exemplo, crianças morrendo de fome e sofrendo de enfermidades fáceis de serem curadas, enquanto corruptos e ladrões de cofres públicos tinham seus filhos estudando no exterior. As histórias apresentadas na revista revelavam o estranho mundo de Zé do Caixão no Brasil.

As primeiras leituras de Lucchetti foram histórias policiais. Mas quando leu “O coração revelador” e “O gato preto” de Edgar Allan Poe, ficou impressionado e não conseguia imaginar nenhuma história sem envolver, de alguma forma, o sobrenatural e o fantástico. E só se sentia bem quando estava escrevendo histórias nas quais explorava o folclore do terror.

Lucchetti já trabalhou com as duas vertentes, terror e horror. Mas tem preferência pelo horror. Ele incorpora ao pensamento do personagem para a história fluir. Por isso diz: “Quando escrevo, entro em outro mundo, acho o Zé do Caixão uma entidade e não um personagem criado por José Mojica Marins, consigo pensar como o Zé”.

Delírios do personagem mais marcante da nossa filmografia
O primeiro encontro de duas personalidade únicas do nosso cinema relembrado por Lucchetti

Valter Martins de Paula

Foi rápido como uma bala. Começou com a exibição de “À meia noite levarei a sua alma” em um cinema de Ribeirão Preto, onde Rubens lembra claramente que teve uma primeira impressão errada do produto. “Lembro que os jornais traziam estampado o cartaz com o nome do filme e um ‘Aguardem!’ no alto da página. Isso me intrigou”, diz.

”Lembro que, em 1964, nenhum cinema do interior era acostumado a exibir filmes de terror. Assisti ao ‘Meio noite’ em apenas uma sessão e não gostei do filme. Eu não conseguia achar sentido em nenhuma das imagens apresentadas, mas gostei do desafio. Aquele homem com capa e chapéu pretos (José Mojica Marins, o Zé do Caixão) era um visionário! Saí da sessão com a certeza de iria conhecê-lo um dia”.

Essa certeza ficou guardada por alguns anos. Rubens, nesta época, já trabalhava como escritor e tinha vários contatos em grandes metrópoles, como São Paulo. Um amigo seu, Sérgio Lima, por intermédio da esposa, enviou-lhe uma carta (na verdade, um convite formal) contando que um homem admirável, com idéias que se encaixariam com as do escritor, gostaria de conhecê-lo.

Este homem era José Mojica Marins, que já havia realizado dois filmes de relativo sucesso, visionários e por quê não, profundos: “Á meia noite levarei sua alma” (1964) e “Esta noite encarnarei no teu cadáver” (1967). A certeza de conhecer a figura enigmática do cinema escuro de anos atrás havia chegado. E Rubens tinha a certeza de que este seria um bom encontro.

Nesta época, Rubens já era acostumado com temas fantásticos e de horror; era colaborador de revistas estrangeiras de ficção cientifica e de cinema; trabalhava como jornalista e editor de em um veículo impresso de Ribeirão Preto e organizava festivais de cinema famosos, que ficavam mais de meses em cartaz. “Lembro do festival que dediquei a Charles Chaplin, por volta de 1962. Mandei uma carta a ele dizendo da homenagem e ele me respondeu agradecendo a ação”, recorda Rubens.

Lucchetti já havia morado em São Paulo, durante a maior parte de sua infância. Atualmente, diz não ser a mesma São Paulo, tão poluída visualmente. Ele recorda que antigamente a cidade respirava uma sensação noir, coberta de névoa e mistério.

“Fui a São Paulo encontrar o Sérgio Lima e paramos em um café no centro paulista para conversarmos. Lá estava José Mojica Marins, que me pareceu, à primeira vista, uma pessoa um pouco prepotente, com poucas palavras. Eu, sendo muito tímido também, mal abri minha boca. Foi um encontro formal e até incômodo. No fim, tive a impressão de que foi por educação que ele me convidou para ir ao seu estúdio (uma sinagoga!) no dia seguinte”, relembra Rubens.

E Rubens foi ao estúdio no dia seguinte, sem nenhuma pretensão em mente, esperou Mojica nas escadarias, e quando chegou, o convidou a entrar. Foi logo dizendo que precisava de uma história para preencher um filme que seria como três contos filmados. No dia seguinte, logo de manhã, Rubens entregou-lhe as três histórias: “O fabricante de bonecas”, “Tara” e “Ideologia”, que seriam a base de todo o filme “O estranho mundo de Zé do Caixão”. Mojica custou a acreditar: sentou-se em um sofá e devorou as três histórias, questionando como um homem tinha conseguido captar, como nenhum outro, sua essência. Mojica teve a certeza, naquele dia, de que aquela seria uma parceria rica em tramas, acima de tudo, a partir daquele momento, seria construída uma amizade duradoura, que, sim, tece seus altos e baixos, mas que continua viva na mente dos dois.

Parceiro na vida e na arte, Mojica já provou sua admiração pelo amigo em um artigo emocionante no livro “O cinema de Rubens Francisco Lucchetti”, ainda inédito.

Segundo suas palavras: “Eu o considero o gênio dos gênios. (...) É, enfim, um ser humano iluminado pelo Criador”.

ENTREVISTA

Mojica. Ou será Zé do Caixão?

Amanda Ferreira
Enviada especial a São Paulo

Foi no mínimo, estranho. De repente eu ali no centro de São Paulo procurando o nome de uma rua que ninguém conhecia. Faltando dois minutos para o horário marcado, achei o tal endereço da agência de modelos. Mas, espera aí, eu iria entrevistas o Mojica – Zé do Caixão, como assim, agência de modelos?

Se alguém se assustou e acha que tem alguma coisa errada, não tem não, é isso mesmo. O mestre do terror brasileiro tem agora uma agência de modelos cuja chamada é mais ou menos assim. “Se você não foi aceito na Elite, na Ford ou na Mega, venha fazer parte da nossa agência, pois aqui, você será aceito”.

Cheguei ao prédio velho do bairro de Santa Cecília. Entrei e fiquei à espera, pois Mojica não havia chegado ainda. A equipe de filmagem já estava lá. Até então, eu não estava nervosa, talvez um pouco ansiosa, afinal de contas, eu ia entrevistar o Zé do Caixão, e ainda estava no meio do processo de separar o criador da criatura.

Logo ele chegou e passou por mim sem ao menos olhar. Sua secretária disse: “Ele não deve ter te visto”. Afinal havia outras pessoas por lá e ele nem me conhecia.

Alguém disse alguma coisa e ele virou-se para mim. Levantei-me e fui cumprimentá-lo. Estiquei a mão, ele me puxou e me deu um abraço. Então, olhei e vi aquelas unhas tanto me aterrorizavam na infância. Elas ainda estavam ali (claro que não as mesmas) bem grandes e pude vê-las bem de perto.

Todos se arrumaram dentro da sala onde aconteceria a entrevista. Ele quis ver o roteiro de perguntas e também pediu para eu ficar atenta às respostas, pois em uma única resposta ele poderia responder todas as minhas perguntas. Nesse momento comecei a ficar um pouco nervosa. Nesse meio tempo ele já havia fumado uns quatro cigarros.

Fiquei bem atenta para não perguntar algo que ele já havia respondido. Não pensem que foi uma tarefa fácil, pois a cada pergunta que fazia, ele respondia sobre várias coisas e muito pouco do que eu perguntava.

Quando as perguntas eram sobre o Lucchetti, ele responde de uma maneira um tanto quando confusa e pouco esclarecedora. Não que ele tenha falado mal do Lucchetti, pelo contrário, falou muito bem, porém pouco, mas sempre muito simpático.

A entrevista durou mais ou menos 50 minutos, quando disse que havia acabado todas as minhas perguntas ele perguntou se podia deixar uma mensagem e, é claro, eu disse que sim. Então ele pediu que fechassem a câmera nele e começou a dar o seu conselho “Você, você ou todos vocês. Muitas vezes você precisa de um conselho. Mas pense bem antes de ouvir este conselho. Não peça conselho para outro. Porque na maioria das vezes o outro quer ser você! Quando precisar de um conselho, peque um espelho e contemple sua imagem. Ninguém mais do que você gosta de você. Peça um conselho para a sua própria imagem. O seu subconsciente lhe dirá o caminho a seguir. Vá em frente, caia levante, porque cair faz parte. Vá em frente que você chega lá como eu cheguei.”

Mojica ou Zé do Caixão? Nessa altura, já estava mais confusa para separá-los, dirigiu toda a entrevista, posicionamento de câmera e tudo mais. Realmente ele é um diretor nato, todos com quem falamos durante as nossas pesquisas estavam certos, ele realmente é um gênio com uma câmera.

A entrevista acabou e o homem das unhas grandes me pediu para tirar algumas fotos de toda a equipe para que ele guardasse.

Também fez uma crítica à cidade de Ribeirão Preto. Ele disse que era a única cidade do mundo onde havia feito trabalhos e que ninguém mandava nada para ele depois. Aliás, essa também é uma crítica do próprio Lucchetti.

Quando eu estava saindo para ir embora, Mojica (ou será o Zé do Caixão) disse: “Agora, para pagar a entrevista, me pague uma menta no bar aqui ao lado”.

Claquete: Como o senhor conheceu o Lucchetti?
Jose Mojica Marins: Por volta do ano de 1965. Não me lembro o nome. Acho que era Sérgio, um fã meu que me falou dele. Disse que tinha uma pessoa muito legal que ra de Ribeirão Preto e estava mudando para São Paulo, que viu meu trabalho e queria ter um papo comigo. Marcamos em uma casa de chá na avenida São João. Começamos a conversar e ele me disse que foi assistir ao filme “À meia-noite levarei sua alma” como uma gozação, não acreditava que alguém no Brasil poderia partir para um gênero místico de terror. Contou que ao assistir ao filme, ele ficou meio intrigado, mas que, ao dormir, o filme começou a pegar força. Ele me falou algumas coisas que tinha feito. Mexeu com aquilo que eu mais gostava, HQs. Eu era colecionador de HQs, porém, tive que vender para acabar de fazer cinema. Ele, até hoje, tem uma coleção fantástica. Eu estou tentando me recuperar.

Claquete: Como e qual foi a primeira parceria com Lucchetti?
José Mojica Marins: Era uma época que se começava a fazer a fazer muito cinema em três histórias. Eu resolvi fazer “O estranho mundo de Zé do Caixão” em três histórias, e pedi para ele escrever, um dia para cada história”. E não deu outra, o Lucchetti trouxe tudo pronto em dois dias. Então eu vi que ele realmente captava as minhas idéias.

Claquete: Qual foi a influência do Lucchetti na sua vida?
José Mojica Marins: Eu não diria que o Lucchetti mudou nada na minha maneira de ser. Não houve uma grande mudança. Diria que ele me trouxe muito animo, porque ele realmente acreditava no meu trabalho.

Claquete: Quantos trabalhos vocês fizeram juntos?
José Mojica Marins: Eu não queria outro além do Lucchetti. Acho que chegamos a fazer umas treze fitas. Depois, entramos em histórias de fotonovela, HQ, televisão. Acho que o Lucchetti fez uns 150 roteiros ou mais para a televisão, porém nem todos foram aproveitados. Ele foi o homem que mais trabalhou comigo, ficou vários anos como se fosse funcionário. Mas eu não o tinha como funcionário, eu o tinha como amigo. Chegou uma época que a perseguição foi demais, fizemos ainda “Ritual dos Sádicos”, que ficou presa. Se na época essa fita saísse, eu me tornaria o Silvio Santos do cinema nacional. Depois disso, só deu para ele fazer mais um roteiro para mim que foi “Finnis Homminis”, que não tinha nada com o terror.

Claquete: Como o senhor define o Lucchetti?
José Mojica Marins: O Lucchetti não fuma, não bebe, não tem vícios. É muito legal nessas coisas. Só tem o vício de escrever. Escreve, escreve, escreve... Ele é um homem versátil para escrever. Não é um homem de briga. Lucchetti é um homem tímido, aliás tímido demais.

Conheça as várias faces de R..F. Lucchetti - parte 3

FACES DE LUCCHETTI

Eldorado: Um longo caminho para as telas
Em parceria com o Núcleo de Cinema de Ribeirão Preto, Rubens Lucchetti escreveu um ambicioso roteiro, que há mais de vinte anos não consegue ser concluído.

Valter Martins de Paula

Rubens Francisco Lucchetti, na época em que morou em Ribeirão Preto, nunca parou de escrever roteiros cinematográficos. Sua investida mais alta em uma produção deu-se na década de 80, quando, em parceira com o produtor (e hoje diretor do Núcleo de Cinema da cidade) Edgard de Castro, escreveu o que seria a base para as filmagens de “Eldorado: a saga do café,” filme que teria no comando o talentoso diretor Bruno Barreto. Edgard lembra que Rubens, pacientemente, quis contar uma história repleta de referências e que tivesse como fundo a ascensão e a queda da famosa “época de ouro” da região, que teve fim com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, no final da década de 20.

O filme tinha previsão de lançamento (e data de estréia marcada) há exatos vinte anos. Este foi um desejo, que, por falta de recursos monetários, não pôde ser concluído com êxito. Edgard tenta, agora com a adesão dos estúdios Kaiser, reaver este projeto perdido e filmar a história de uma bailarina francesa que chega ao Brasil e começa a trabalhar em um cassino na cidade de Ribeirão Preto (o que dá título ao filme), até se apaixonar por um roço barão e ter seu casamento marcado bem no dia da quebra da bolsa de valores.

Amizade Profunda

Edgard de Castro sempre foi amigo íntimo de Rubens Lucchetti, na época em que o escritor trabalhou em parceria com grandes nomes da cidade de Ribeirão Preto, como Bassano Vacarini e Tony Miyasaka. Os trabalhos desenvolvidos por eles ganharam prêmios internacionais e fizeram com que seus nomes entrassem no “mapa de reconhecimento” da cidade.

“Eu sempre tive uma profunda admiração e grande respeito por Rubens Lucchetti. Ele é um poeta do cinema, um sujeito maravilhoso que sempre dedicou sua vida aos livros e ao cinema”.

Para Edgard de Castro, Lucchetti é uma pessoa solitária. Ele precisa usufruir desta condição para poder organizar seus pensamentos, suas idéias. “Aqui em Ribeirão as coisas sempre foram muito agitadas para ele. Jardinópolis foi a cidade ideal para a mudança, pois ele está no meio de seus livros e em nenhum momento é incomodado por barulho ou pessoas inconvenientes”.

O Núcleo de Cinema de Ribeirão Preto abrirá um espaço em seus novos estúdios que homenageará Lucchetti. A sala terá o nome do escritor, pois, segundo Edgard, eles sempre trabalharam resgatando nomes consagrados proeminentes da cidade que estão esquecidos. Homenagens tardam, mas não falham.



LUCCHETTI PINTOR
Ivani Rosa

Rubens Francisco Lucchetti interessou-se pelas artes ainda criança. Aos 7 anos, fazia cópia de desenhos que via nos jornais. Com papel de embrulho, Lucchetti construía estradas de ferro e trens, que ornamentavam a sua casa.

Aos 9 anos, Lucchetti já pintava o personagem Genésio Arruda, humorista caipira, que atuava em rádio, circo e alegrava diferentes platéias. Isso deixava seu pai orgulhoso. “Certa vez, meu pai levou-me à casa do patrão dele. Como éramos muito humildes, fiquei encantado quando uma de suas filhas me pegou no colo e pediu para que eu desenhasse o Genésio Arruda. Quando terminei, ganhei um beijo. Nunca mais me esqueci disso”. Ele conta que não foi um bom aluno, e que jamais conseguiu memorizar Geografia. Mas, em desenho, era o melhor do colégio.

No fim da década de 40, Lucchetti foi contratado pela revista “América” de Ribeirão Preto, para fazer desenhos publicitários. Além de embelezar todas as sessões à mão com tinta preta nanquim, ele também escrevia apreciações críticas, só não fazia reportagens.

Em 1960, Lucchetti fez, em Ribeirão Preto, a exposição “A intemporalidade do mito chapliniano” com 100 bicos de pena representadando “Carlitos”. É dele também o livro “Carlitos, um mito através da imagem”, da Editora Colégio. A obra traz cerca de 80 bicos de pena, todos de Carlitos representando seus vários gestos.

Mesmo não sendo católico, Lucchetti já pintou uma santa, que deu de presente para a sua namorada, hoje sua esposa. Já se passaram mais de 50 anos, e a pintura continua intacta. Ele já desenhou Jesus Cristo, muitos artistas relacionados à sétima arte e a própria mulher. Hoje, na casa de Lucchetti, em Jardinópolis (SP), é possível encontrar muitas de suas pinturas feitas com tinta a óleo.

Lucchetti é profético quando diz que é impossível pintar sem antes passar por um período de sonhos. Este quadro, que ele segura na foto, é um de seus preferidos.



O verdadeiro Rubens Lucchetti por trás dos mistérios
Eu não pertenço a esta realidade

Amanda Ferreira
Ivani Rosa

Com as primeiras pesquisas descobriu-se um homem por trás dos roteiros de José Mojica Marins. Não que Zé do Caixão menos grandioso, mas talvez Lucchetti seja mais misterioso. Este é um fato que foi observado no desenvolvimento das pesquisas.

Lucchetti já escreveu cerca de 1400 livros, fez roteiros para José Mojica, Ivan Cardoso, entre outros. Foi também colaborador de revistas estrangeiras de ficção cientifica e cinema. No primeiro encontro, foi visível que tudo o que aconteceria a partir daquele momento seria único, pois o grupo estava frente a frente com aquele que, muitas vezes, o fez viajar em suas histórias de mistério e horror.

Para Rubens, não existe época e nem realidade para criar seus roteiros e livros. Ele cresceu lendo literatura policial inglesa e confessa que é impossível escrever suas histórias tendo como base o Brasil.

Lucchetti já morou em diversas cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto. Hoje mora em Jardinópolis. Após anos de serviços prestados à cultura de Ribeirão, tem no MIS (Museu da Imagem e do Som), uma sala com o seu nome.

Ele revela-se um homem que ainda usa máquina de escrever para fazer seus textos. Não se interessa pelo cinema novo brasileiro e não gosta da maioria dos programas de televisão.

Além de não gostar dos programas televisivos, Lucchetti também não gosta de participar deles. Ele contou que já teve a oportunidade de estar no “Programa do Jô”. Mas desistiu. “Um dia assisti ao programa e o achei um tanto mal educado com seus entrevistados”.

O grupo ficou à vontade para perguntar o que quisesse a Lucchetti. Ele disponibilizou sua biblioteca com cerca de 40 mil exemplares a seu acervo pessoal.

Por trás do homem misterioso descobriu-se uma pessoa carismática, simpática, que gosta da reclusão em que vive e que não precisa da popularidade com que muitos sonham.

Conheça as várias faces de R..F. Lucchetti - parte 4



A VIDA EM PRETO E BRANCO
A carreira de Lucchetti teve como peça fundamental a figura carismática de Nico Rosso, famoso desenhista italiano.

Valter Martins de Paula

Rubens Francisco Lucchetti teve sua primeira história em quadrinhos publicada quando tinha 15 anos, intitulada “A única testemunha”. Era uma história de mistério, gênero que, mais tarde, se tornaria algo constante em seus roteiros. Rubens justifica esta preferência pelo mistério da seguinte maneira: “Fui criado com literaturas policiais inglesas e não poderia deixar de ser diferente. Minhas histórias jamais poderiam transcorrer no Brasil. Sou incapaz de criar uma trama com a policia daqui, tão suja, mal vestida e mal paga”.

Sua carreira com roteirista de histórias em quadrinhos tomou forma consistente quando ficou amigo de Nico Rosso, famoso desenhista italiano que, na década de 60, veio para o Brasil para aperfeiçoar suas técnicas de desenho. “Minha primeira reação foi entregar-lhe alguns roteiros para ele desenhar,mas, depois de alguns dias fui informado que meus roteiros continham muitos diálogos e, como as HQs são desenhos por excelência, mergulhei numa frustração profunda, só contatando-o um ano depois”.

As primeiras histórias que Rubens escreveu e que tiveram desenhos de Nico foram “A Condessa Sinistra”, “O Segredo do Doutor Roger Blackhill”, “O Quadro Maldito” entre outros, realizados no período entre 1966 e 1967, mas que não guardam grandes surpresas, já que Rubens não aprecia nem um pouco essas histórias. “Eram feitas por encomenda e com o único propósito de preencherem páginas de uma revista para a qual prestava serviços”, julga Rubens.

Rubens trabalhou com Nico durante os anos de 1966 a 1972. era uma época, no Brasil, em que os quadrinhos começavam a tomar forma como um produto da indústria que podia ser levado a sério e o maior exemplo disso é a revista “A Cripta” que teve um nascimento fértil, porém, um fim triste: “Tão logo comecei a produzir os quadrinhos em impresso, tive vontade de rasgar a revista, pois a editora não respeitava minhas idéias e disponibilizava um papel de péssima qualidade para leitura”, diz.

Depois da investida desastrada, Rubens começou a se envolver com o personagem Zé do Caixão e trouxe o seu amigo Nico para integrar a equipe que produziria uma revista chique com o personagem, uma técnica inédita que mesclaria imagens de filmes e quadrinhos. Depois de seis edições da revista “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, Nico abandonou o projeto. “Pensávamos que estávamos sofrendo um boicote das editoras com as quais trabalhávamos. Depois do fracasso, eu continuei escrevendo roteiros e ele desenhando para outros roteirista de quadrinhos”.

“Encontrávamo-nos quase toda a semana. Eu ia até a sua casa enquanto ele ficava rabiscando algumas folhas. Depois, eu pegava estas folhas e escrevia, baseada naquelas figuras”.

Nico teve uma vida rodeada de tragédias. Em 1976, ele teve toda a sua obra, assim como todos os seus trabalhos, destruídos por uma enchente que inundou a sua casa. Foi aí que a parceria entre ele e Lucchetti acabou realmente, pois logo após o desastre, Nico entrou em processo de “suicídio profissional”, até vir a falecer, em 1981.

Lucchetti relembra com gratidão todos os momentos que dividiu com o amigo, tendo a certeza de que não existirá mais ninguém com a magnitude e delicadeza de um trabalho feito para durar. “Se existe uma palavra que pode definir meu relacionamento profissional com Nico ela é “encantador”. Não desmerecendo os outros desenhistas, mas Nico tinha uma sensibilidade toda especial para captar minhas idéias, sabendo, como nenhum outro, a mágica de conceber em imagens quadrinísticas os meus roteiros. Houve uma grande colaboração e uma imensa compreensão entre mim e ele, e uma perfeita integração entre o meu trabalho e o dele”.

Rubens Francisco Lucchetti é um exímio escritor de histórias, tendo produzido em toda sua carreira nos quadrinhos, cerca de 300 tramas, entre mistério, terror, horror e romances. Mestre na arte de prender e sustentar um leitor por inúmeras páginas, Lucchetti não precisa justificar sua amizade, pois ela não se mede em palavras, e sim, nos sentimentos mais profundos da alma.

“Na imaginação de muitos papalvos, os quadrinhos eram verdadeiras ervas daninhas, que, à medida que ram lidas, iam se apoderando da inteligência e do cérebro dos leitores, reduzindo-os a parias da sociedade, candidatos a uma cela da penitenciária. (...) Felizmente, os quadrinhos, a despeito de tudo sobreviveram e se transformaram na linguagem de hoje. Hoje vivemos este futuro. Hoje vivemos o “tempo da imagem”, como disse Abel Gance”.

Rubens Francisco Lucchetti.



ENTREVISTA

Ivan Cardoso: relato sincero
Amanda Ferreira
enviada especial ao Rio de Janeiro

O cineasta Ivan Cardoso nasceu no Rio de Janeiro em 1952. começou sua carreira em 1970, quando tinha apenas 18 anos. De 1970 a 1974 fez mais ou menos 40 filmes super 8. em 1974 abandonou o super 8 e começou a fazer documentários sobre Mojica, o Zé do Caixão, que foi o elo da parceria com Lucchetti.

Seu primeiro longa, de 1975, foi “Nosferatu no Brasil”, estrelado pelo poeta tropicalista Torquato Neto, parceiro de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Em 35 anos de carreira dirigiu 60 longas, dos quais cinco títulos com roteiros de Lucchetti, entre eles os grandes sucessos: “As Sete Vampiras” e “O Segredo da Múmia”, que atraiu 1,3 milhão de expectadores.

Na entrevista, em sua casa no Vidigal, Rio de Janeiro, sempre direto e aberto, Ivan falou sobre os trabalhos desenvolvidos com Lucchetti.

Claquete: Como o senhor conheceu o Lucchetti?
Ivan Cardoso: Em 1976 viajei para a Europa e comprei uma máquina boulier 16 mm. Comecei, então, um trabalho novo sobre múmia, chamado “Lago Maldito”. Mas, filmávamos sem uma história definida. Contei ao Mojica, durante a realização do documentário “O Universo de Mojica Marins” e ele me falou que iria me apresentar o seu roteirista, o Lucchetti. Falou que ele tinha muita experiência, que era muito bom e já havia feito outros roteiros para ele e para outras pessoas. Ele assistiria ao meu material e, a partir dele, costuraria um roteiro para terminar o meu filme. O Lucchetti ficou tão emocionado e tão animado com a história que, ao invés de fazer um roteiro que concluísse aquele filme, escreveu um roteiro novo, que é o roteiro que você conhece. Ele só utilizou 20% do material antigo. Toda a história era nova. Como nós gostamos muito do roteiro, o adotamos.

Claquete: Qual a sua relação com Lucchetti hoje?
Ivan Cardoso: Nós desenvolvemos uma relação, não só profissional mas afetiva, porém, em virtude dele morar em Jardinópolis, e quase não sair de lá, eu não tenho muito contato com ele.

Claquete: Para o senhor qual o melhor roteiro do Lucchetti?
Ivan Cardoso: Eu gosto muito do roteiro que ele fez para o Mojica “O Estranho mundo de Zé do Caixão”, de “Mulher Mulher” do Jean Garrett, de “O segredo da múmia”, de “As sete vampiras” e gosto muito do próprio “O escorpião escarlate”.

Claquete: O que o senhor acha do filme “Ritual dos sádicos”?
Ivan Cardoso: Eu nunca vi direito esse filme, nunca assisti no cinema, então eu não poderia falar. Mas eu acho que o Mojica termina praticamente a obra dele na trilogia. “O estranho mundo de Zé do Caixão”, “Á meia noite levarei a sua alma” e “Esta noite encarnarei no seu cadáver”. Depois, tanto “Ritual dos sádicos” como “Exorcismo negro”, são filmes espetaculares, mas são filmes que já são diluições da própria obra do Mojica.

Claquete: Quando começamos a fazer o TCC, “Maldito” foi o primeiro livro que lemos, e dá a impressão que André Barcinski e Ivan Finotti descobriram o “Zé do Caixão”. O que o senhor acha?
Ivan Cardoso: Eu sou suspeito para falar, porque fui convidado pelo Jornal O Globo para participar de uma mesa de debate de lançamento, e eu me retirei da mesa por causa disso. O André foi desonesto neste sentido. Na verdade, a primeira pessoa a falar do Mojica foi o Sganzerla (cineasta Rogério Sganzerla, “O Bandido da luz vermelha”). O Sganzerla, em toda entrevista que dava, falava mal de todo mundo e bem do Mojica. Mas eu acho que o filme que resgatou o Mojica para a cultura brasileira, foi esse meu documentário.

Claquete: O Lucchetti acha que o livro e o documentário “Maldito” têm muita coisa que não é verdade e que transformaram o Mojica em palhaço. O senhor concorda?
Ivan Cardoso: O que é a verdade? É uma coisa complicada, o que existe é a verdade de cada um. É claro que o Lucchetti é uma testemunha ocular dessa trajetória do Mojica. Ele conheceu essa trajetória como ninguém.

Claquete: Como o senhor define o Lucchetti?
Ivan Cardoso: O Lucchetti é um grande escritor, porém ele tem um problema: ter nascido em um país que não valoriza este tipo de cultura. Também pelo fato dele se sentir marginalizado, dele ter que, para sobreviver, escrever centenas de livros que ele não gosta. Eu acho que o Lucchetti é muito centralizador.

Ele escreve na máquina dele, na casa dele, da maneira dele. Aqui no Brasil você tem que ser o vendedor de si próprio. E o Lucchetti se vende muito mal. Talvez se ele se vendesse melhor ele teria mais sucesso. A propaganda que ele faz dele é nenhuma. Mas cada um é cada um. Ele não pode ser diferente do que ele é. Se ele fosse diferente não seria o Lucchetti.

Claquete: E esse jeito dele já atrapalhou alguma coisa?
Ivan Cardoso: Talvez tenhamos perdido nossa maior oportunidade. No lançamento do “Segredo da múmia”, por causa do Julio Medaglia, que trabalhou com a gente, nós fomos convidados pela TV Globo. O Avancini tinha um núcleo em São Paulo, e queria fazer uma novela novela de múmia. Mas a TV Globo jamais encomendaria um roteiro a uma pessoa só. Tem que ser um núcleo. E por infelicidade do Lucchetti, a gente caiu num núcleo que tinha o Daniel Más, que era um jornalista que havia trabalhado comigo no “Noferatu no Brasil”, que era a pessoa da língua mais ferina talvez do jornalismo brasileiro. Ele foi editor da Vogue durante muitos anos e escreveu algumas novelas para a Globo. O cara achou o Lucchetti uma figura de outro planeta. Tinha um outro também que era de esquerda, o Lucchetti tinha medo deles. E tinha esse problema do Lucchetti só escrever na máquina dele, o Lucchetti praticamente fugiu do núcleo.

Não são as portas que se fecham para o Lucchetti, o Lucchetti, às vezes, não quer abrir as portas. O que é realmente uma lástima para uma pessoa com o talento do Lucchetti. Por outro lado, ele não tem que se queixar, porque ele tem uma enorme obra de histórias em quadrinhos, de filmes e mesmo os que ele diz que não gosta, nem bota o seu nome.

Claquete: O que o senhor acha do Mojica como pessoa?
Ivan Cardoso: Ele é um cara fora de série. É quase um Salvador Dali. Fez das unhan o seu bigode. Ele é um cara realmente único.

Claquete: Dá para viver como cineasta no Brasil?
Ivan Cardoso: Tem que dar. É difícil, eu só não roubo, não mato e não trafico drogas, mas o resto... .Eu acho que tanto eu quando o Lucchetti e o Mojica, na verdade, nós só temos a agradecer, porque nós demos certo. Se a gente não tivesse dado certo você não estaria aqui.

“O Lucchetti quer porque quer ser um autor cult, considerado cultural, sem que ele entenda que ele, ao natural, já é. Ele é um caso raro. Eu poderia falar uma coisa que até o ofenderia. Quanto pior for o Lucchetti, melhor ele será”.

Conheça as várias faces de R.F. Lucchetti - parte 5



IDEOLOGIA: O INSTINTO SUPERA A RAZÃO
Audo Daniel Sairre

O filme “O estranho mundo de Zé do Caixão” é composto por três pequenas histórias: “O fabricante de bonecas”, “Tara”, e “Ideologia”. Esta película de 1968 é roteirizada por Rubens Francisco Lucchetti e dirigida por José Mojica Marins. “Ideologia” é a história preferida de Lucchetti e é que mais chama a atenção.

O primeiro conto, “O fabricante de bonecas!, relata a história de uma gangue que invade a casa de um homem que fabrica bonecas. Os delinqüentes estupram as quatro filhas do artesão, além de roubá-lo. O que os quatro criminosos não sabem (um deles é interpretado por Luis Sérgio Person, renomado diretor de cinema) é que o pai das meninas costuma usar olhos humanos nas bonecas que faz. A partir daí, entra o terror no filme. Os olhos dos bandidos são retirados, enquanto suas cabeças são mostradas uma por uma, sangrando lado a lado. As quatro mocinhas sorriem satisfeitas.

“Tara” é a segunda história. Um verdadeiro pobretão, corcunda, vendedor de balões, é apaixonado por uma moça de sua rua, mas nunca se aproximou dela. No dia do casamento da jovem, a moça é assassinada por uma mulher enciumada. Depois do enterro, o homem que sempre fora apaixonado por ela, abre o seu caixão, retira o corpo e faz sexo com o cadáver. Os balões do corcunda horripilante sempre fazem parte das cenas, criando um estilo tenso e assustador nas filmagens. Novamente, os sintomas do mal aparecem.

Segundo relatos do livro de André Barcinski e Ivan Finotti, “Maldito”, Lucchetti achava a história tão forte que resolveu roteirizá-la sem diálogos, somente com sinais e cenas que remetessem aos acontecimentos. No roteiro original de Lucchetti, depois que o vendedor abrisse o caixão ele teria alucinações em que dançava uma valsa com a amada. O diretor não gostou e mudou o final.

“Ideologia” foi a história que Mojica teve mais problemas com a censura. É a trama mais marcante do filme, onde as falas e interpretações dos personagens se destacam através do roteiro de Lucchetti.

Oaxiac Odez é um professor que defende que o instinto é sempre superado pela razão. Em um programa de TV o professor expõe suas teses e pensamentos. Ali, vemos um Mojica seguro de si mesmo, inteligente e misterioso – talvez, com traços da época em que Lucchetti escrevia histórias policiais.

O professor Oaxiac Odez convida o apresentador do programa, Dr. Alfredo, para ir a sua casa. Lá, Oaxiac prende o apresentador e a mulher dele, ambos em jaulas separadas.

Encarcerado, o casal recebe, diariamente, a visita de Oaxiac Odez, que lê trechos da Bíblia. É uma seqüência de cenas digna do mais puro horror.

Depois de sete dias preso, sem comida e nem água, Dr. Alfredo tem seu pescoço cortado por Oaxiac Odez. Em seguida, a mulher do apresentador, Vilma, mata sua sede com o sangue do marido. Oaxiac Odez proclama feliz e satisfeito: “Mais uma vez o instinto superou a razão... e o amor”.

Nada mais sádico e horrível (no bom sentido) tinha sido feito no cinema brasileiro até aquele take.

O DESPERTAR DA BESTA: UM SOCO NO ESTÔMAGO NO BRASIL DA DÉCADA DE 60
Valter Martins de Paula

Em 1969, quando o personagem Zé do Caixão já era conhecido nacionalmente, por meio de vários veículos de comunicação, começou a ser produzido aquele que seria o filme mais polêmico das carreiras de Rubens Francisco Lucchetti e José Mojica Marins: ‘Ritual dos sádicos’ (ou, como mais tarde ficou conhecido, ‘O despertar da besta’).

A idéia do roteiro era transpor a figura enigmática de Zé do Caixão baseado em vários pontos-de-vista da sociedade brasileira. Ou seja, desvendar como pessoas comuns enxergariam o personagem em seus delírios mais íntimos. Talvez tenha sido pelo tema desafiador que o filme (que teve apenas um cenário fixo) tenha sofrido tantos problemas em sua estrutura e na sua compreensão.

A trama de ‘O despertar da besta’ gira em torno da evidência do personagem de Zé do Caixão. Um psiquiatra, interpretado por Sérgio Hingst, “contrata” quatro pessoas de diferentes classes sociais, para estudar o impacto da figura de Zé do Caixão, sob o efeito de drogas. A primeira meia hora de filme é um pouco desconexa, pois evidencia a vida e rotina de cada uma das pessoas.

O filme foi inovador, pois trouxe a inserção de cores nos sonhos e delírios dos personagens. A grande sacada do roteiro foi poder estudar, de forma profética e não-linear, o efeito do personagem no inconsciente coletivo. Os sonhos misturam sexo, perversão e sadismo de maneira bem clara e definida, fazendo um impressionante retrato da hipocrisia brasileira que reinava nos anos 60. vetado pela censura federal, mesmo após inúmeros cortes, só sendo liberado 13 anos após a produção finalizada, ‘O despertar da besta’ nunca foi lançado comercialmente no Brasil. Ganhador de prêmios de melhor ator para José Mojica Marins e melhor roteiro para Rubens Francisco Lucchetti, no Segundo Rio Cine Festival, em 1986, o filme não encontra parâmetro com outras obras na filmografia brasileira. Sem exageros, é um filme que permanece atual e que serve para mostrar toda a competência e capacidade narrativa de Rubens Francisco Lucchetti.



FRAGMENTOS

Esta página é dedicada a pequenos fragmentos de memória de Rubens Francisco Lucchetti, assim como pensamentos de família, trabalho, condições de existência e outras coisas interessantes... Afinal, um homem tão completo como este, repleto de atividades e pensamentos, não deixaria perder a sua rica memória...

“Na minha concepção uma igreja deveria ser um hospital para pecadores, não um museu para santos”.

“Me chamar de escritor é como colocar um elevador num alpendre: não combina”

“Escrever é fácil, basta você se sentar e olhar fixamente para uma folha de papel em branco, até que se formam na sua testa gotas de sangue”.

“Nunca deixei de ser um experimentalista radiofônico. Mesmo quando estou escrevendo para o cinema ou quadrinhos, ou uma novela, sinto-os transformados em sons”.

“Meia-noite: os ponteiros de mãos unidas”.

“Se quiser evitar a censura alheia, não diga nada, não faça nada e não seja absolutamente nada”.

“A diferença entre o cinema e a televisão é que cinema se assiste e televisão se vê”.

“Tinha os olhos tão tristes, como se tivesse presenciado todas as misérias do mundo”.

“Que é a vida? Se você souber a resposta, não haverá mais perguntas”.

“Por que será que toda a pessoa bem sucedida acha que sabe tudo?”.

“O verdadeiro perigo de nossa era tecnológica não é tanto que as máquinas passem a pensar como homens, mas que os homens comecem a pensar como máquinas”.

“Parentes são como carros usados: quebram quando mais precisamos deles. Pena que não os podemos trocar todos os anos”.

“Gosto da noite. Andar pelas ruas sombrias. Pareço estar em outro mundo. Às vezes você dá de cara consigo mesmo”.

“Um dia me perguntaram: - Você acredita em demônios? Como posso acreditar num ser que teria sido criado por Deus, e Deus seria justo e bom se houvesse criado seres devotados eternamente ao mal? Só um inescrupuloso poderia acreditar num ser maligno, um desclassificado, fazendo de Deus, um Deus mal e vingativo”.

“A voz feminina antes de sua transformação biológica, é muito fina e, depois disso, se torna necessariamente erótica”.

“Ás vezes fico pensando: o que uma pessoa cega de nascença sonha?”.

“O destino só leva a pessoa até o meio do caminho: o restante ela completa sozinha”.

“É sempre temeroso a compra de um objeto num antiquário. Simplesmente porque todo objeto fica impregnado das emanações daquele que o possui”.

“Não se escreve por inspiração, se escreve por não saber fazer outra coisa”.

“Quando escrevo, mergulho no meu mundo, e sou o único artífice, crio e destruo, sou um deus e o mundo, como está estabelecido e que desprezo passa a não existir e então sou feliz”.

“Um homem não nasce completamente senão depois que morre. Porque lamentar, então, o aparecimento de uma nova criatura entre os imortais? Nós somos espíritos. Que nos emprestam corpos, com que possamos fluir prazeres, aumentar os nossos conhecimentos ou fazer bem aos nossos semelhantes, é um ato de bondade e de benevolência de Deus. Quando não nos servem mais estes propósitos, quando nos dão dores ao invés de prazeres, quando se tornam uma carga invés de um auxílio, é igualmente por um ato de bondade e de benevolência que Deus nos fornece um meio de nos desembaraçarmos deles. Esse meio é o desencarne”.

“Até há alguns anos, o cinema e a televisão detinham entre si a concorrência ao livro, esta distinção entre a atividade voluntária do pensamento e o estado positivo das emoções que pareciam assumir uma importância que representaria, talvez, um papel histórico na evolução da humanidade: o fim da cultura do livro. Porém, nada disso aconteceu. Mas com a chegada do computador, esse fim está inexoravelmente decretado. Tenho a certeza que entramos no terceiro milênio totalmente bestificados, sendo o livro algo assim como as gravações de óperas são nos nossos dias”.

“Sempre que tiver muita pressa em ir de um lugar para outro, pode-se estar correndo o risco de perder mais do que se ganha com a pressa. Observemos os animais: eles nunca se apressam, exceto quando se vêem em perigo. Como podemos aproveitar se a atravessamos em galope? A rapidez ajuda-nos a nos locomover em menos espaço de tempo, e isso é tudo que se pode dizer em seu favor. Mas, andando-se sempre com pressa, perde-se de ver muita coisa que nos pode causar enorme deleite – apreciar, por exemplo, uma pequena avenca à beira do caminho ou ouvir o canto eternecedor de algum passarinho”.

Jornal Claquete
Edição produzida em dezembro de 2005
Ano I – Edição nº 01

Créditos:

Editor Chefe: Valter Martins de Paula
Editor Assistente: Audo Daniel Sairre
Redação: Amanda Ferreira, Audo Daniel Sairre, Ivani Rosa e Valter Martins de Paula
Assistente de Redação: Felipe Augusto de Souza
Fotografia: Amanda Ferreira, Audo Daniel Sairre, Ivani Rosa e Valter Martins de Paula
Diagramação e Impressão: Enfim Ribeirão Editora e Gráfica Ltda.
Tiragem: 300 exemplares