quarta-feira, 9 de maio de 2012

VAGA IDEIA


Neville D’Almeida, maldito seja

Tenho tratado neste espaço há um tempo, a questão de rótulos que são usados para definir algumas pessoas no cinema nacional. Neville D’Almeida, diretor de grande sucesso nos anos 70 e 80, foi chamado de cineasta marginal, maldito.

Foi taxado assim porque resolveu ousar. Usou slides para produzir filmes, experimentou outras formas de uso da película, foi para o Super-8, voltou para o 35mm e hoje está no digital.

Está na Mini DV porque não quer e não pode esperar os editais de cultura. Tem pressa em registrar os momentos de agora e esses momentos não esperam os burocratas de plantão dar o aval para buscar apoio, patrocínio. Neville faz e aguarda o momento certo de exibir seus registros. Foi assim com a primeira Parada Gay do Rio de Janeiro, foi assim com o inicio dos desfiles da Daspu e é assim até hoje. Quando vê a necessidade de registrar, lá vai Neville com a sua câmera na mão e documenta.

Hoje o seu foco é o registro do momento, o documentário de iniciativas e ações da sociedade civil e organizações independentes. No inicio da sua trajetória como cineasta não era assim, foi perseguido e censurado pela ditadura, ‘Jardim de Guerra’ foi proibido de ser exibido, outros muitos foram cortados, porém exibidos, teve que sair do país, mas não pela repressão: “...saí porque a vida em Londres era mais barata que a vida no Brasil...”, disse-me.

Seu maior sucesso foi ‘Dama do Lotação’ – extraído de uma crônica de Nelson Rodrigues - que era a segunda maior bilheteria até Tropa de Elite levá-lo ao terceiro lugar na lista de filmes mais vistos nos cinemas até hoje na história. Quase todos os seus longas superaram a marca de um milhão de espectadores.

Nas artes visuais, trabalhou com Hélio Oiticica, fez a emblemática série ‘Cosmococas’ é o pioneiro das instalações interativas no país e nome assíduo em galerias, recebendo convites para exposições individuais e coletivas. Daqui e de fora do país.

Depois da quebra da Embrafilme, rodou alguns filmes, mas que não obtiveram êxitos como antes. Neville culpa a indústria (que não existe) e os coronéis do nosso cinema que aparelham e esfacelam qualquer tentativa de retorno. Não desiste, tem três projetos prontos, um deles é a nova versão da ‘A Dama do Lotação’.

- Quero fazer a ‘Dama do Lotação’ falando da mulher do século XXI, que sai e dá por prazer. A ‘Dama’ com a Sonia Braga dava para os outros para manter o amor ao marido. Essa não, ela dá para se satisfazer.

Segundo Neville, tudo em sua vida aconteceu tarde. Levou mais de sete anos para comprar de Nelson Rodrigues os direitos da ‘A Dama do Lotação’ e mais dois para filmá-lo. Levou mais de vinte anos para concluir e exibir a série ‘Cosmococas’. Agora, além da publicação contando sobre a sua rica trajetória na cena cultural do país, o Sesc Santo Amaro exibe uma ampla mostra em sua homenagem chamada ‘Neville D’Almeida – Além Cinema’, que dá o nome também para a publicação.
É a chance de dar um mergulho profundo num universo desconhecido, pouco explorado, mas de uma riqueza descomunal. É também a oportunidade de darmos mais um passo para sair da ignorância cultural e colocar a história do cinema nacional no prumo.

Somos gratos a Neville, maldito seja!

Rafael Spaca, radialista, autor do blog Os Curtos Filmes (http://oscurtosfilmes.blogspot.com/)