terça-feira, 30 de abril de 2013

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica


A ORIGEM DA VAMPE NO CINEMA
Rubens Francisco Lucchetti & Marco Aurélio Lucchetti

Poucos são os que sabem a origem da palavra vampe (do inglês vamp) no Cinema e de como essa palavra passou a designar mulheres belas e fatais [de acordo com o Novo Michaelis Dicionário Ilustrado, vamp é uma gíria que designa “mulher que flerta ou namora por interesse”; e, segundo o Novo Aurélio Século XXI, vampe é a “atriz que faz o papel de mulher fatal” (assim, por extensão, vampe é uma “mulher fatal”)]. Vejamos, então, como o crítico e pesquisador Angel Zuñiga descreve o aparecimento da vampe no Cinema:

“Em 1912 (*), a Fox lança A Fool There Was, filme dirigido por Frank Powell e inspirado num poema de Rudyard Kipling. Nele aparece Theda Bara, criadora nas telas cinematográficas de um novo tipo: a vamp, que florescerá sob as mais diversas formas em todo o cinema norte-americano. O Cinema dessa época é primitivo; e, assim, os temas, os personagens... devem ser apenas bons ou maus. Os filmes não podem revelar ainda a profundidade psicológica dos personagens. As reações têm de ser absolutamente primárias. (...) O tipo de Theda Bara, que dá início à voga do vampirismo, corresponde às reações aceitas pelo público cinematográfico mais leviano. Uma tempestade de paixões desperta esta mulher, espalhando o mal por onde passa. (...) Theda Bara aparecerá, depois, mais ou menos com essas mesmas características, nos filmes Carmen, Destruction, Cleopatra, Salome. Theda Bara é a primeira vamp ou vampiresa (como dirá a linguagem popular). Por ser a primeira, aparece sem os refinamentos, sem os enfeites que a vamp adquirirá mais tarde. (...) e a vamp subsistirá por muitos anos. Poderá ser Nita Naldi, Carmel Myers, Barbara La Marr, Greta Nissen, Evelyn Brent, Margaret Livingstone, Aileen Pringle, Alma Rubens, Pola Negri, Olga Baclanova (...) (Una Historia del Cine volume 1, Barcelona, Ediciones Destino, 1948, pp. 115-116).

Já o jornalista e ensaísta argentino Raimundo R. Calcagno, mais conhecido como Calki, diz o seguinte sobre esse mesmo assunto:

“Olhando para trás, encontramos estas mulheres extravagantes, de olhos ardentes e circundados de sombras, lábios pintados em forma de coração, movimentos sinuosos (movimentos de cobra) e vestidas com roupas exóticas. Criaturas criadas pela grande fábrica de sonhos de Hollywood, as mulheres fatais, as vampiresas, surgiram para se oporem a um mundo repleto de ingênuas. Abriam seus braços como asas tenebrosas; e, às vezes, bastava-lhes apenas um único olhar de fogo (...) para subjugar os homens, que se lançavam a seus pés, convertidos em miseráveis fantoches. Vistos através da distância do tempo, seus trajes e sua excessiva maquiagem tornam-se ridículos, assim como seu estilo de sedução. Porém, elas tinham a periculosidade do pecado (...). Anjos negros, entreabriram a porta proibida que conduz ao outro lado desse Paraíso que estava se tornando fastidiosamente açucarado, devido ao excesso de ingênuas. Relegada de repente à sua casinha de contos de fada, a ingênua viu, com assombro, os homens começarem a caminhar atrás dessas mulheres pecadoras. (...) tudo na vampiresa é artificial: as unhas, os cílios, a cabeleira, as poses (...). Ela pode ser Marlene Dietrich ou Greta Garbo, ou Jean Harlow, ou Mae West, ou (mais recentemente) Barbara Stanwyck. Entretanto, nas origens, tudo se resume a um nome: Theda Bara. Grande flor do mal, surgida no mais artificial dos jardins, Theda Bara é a mãe de todas as vampiresas do Cinema” (Los Monstruos Sagrados de Hollywood, Buenos Aires, Ediciones Losange, 1957, p. 29).

Filha de Bernard Goodman, um próspero alfaiate judeu nascido na Polônia, e de Pauline Louise de Coppett, uma suíça também de origem judia, Theda Bara (seu verdadeiro nome era Theodosia Goodman) nasceu em 29 de julho de 1885, em Avondale, um subúrbio de Cincinnati, no estado norte-americano de Ohio.

Grande amante dos livros, Theda Bara dedicou a maior parte da infância à leitura. E, quando não estava lendo, estava aprontando alguma arte – sempre que lhe dava na veneta ou tinha oportunidade, ela desaparecia (como num passe de mágica) de casa, deixando sua mãe doida.

Foi na adolescência, na época em que fazia o Secundário na Walnut Hills High School e participava do clube de teatro da escola, que Theda Bara tomou gosto pela profissão de atriz.

Após terminar o Secundário, Theda Bara freqüentou a Universidade de Cincinnati. Mas não chegou a completar os estudos, já que decidira tornar-se uma atriz. Mudou-se, então, para Nova York e, em 1908, usando o nome de Theodosia de Coppett, fez sua estréia nos palcos da Broadway, na peça The Devil.

Em 1911, Theda Bara entrou numa companhia teatral que excursionaria por diversas cidades e estados norte-americanos (esteve, inclusive, em Portland, no Oregon, no extremo noroeste dos Estados Unidos).

Por volta de 1914, Theda Bara retornou a Nova York. Na época, tinha um único objetivo na vida: ser uma atriz de Cinema, pois sua carreira no teatro não havia prosperado.

Theda Bara, ainda usando o nome de Theodosia de Coppett, estreou no Cinema em 1914, no filme The Stain. Porém, não foi notada pelos espectadores, uma vez que sua participação no filme resumia-se a um pequeno papel (na verdade, ela era uma extra).

Foi somente em 1915 que Theda Bara nasceu, efetivamente, para o mundo. E tudo graças ao filme A Fool There Was, baseado no poema “A Vampe” (“The Vampire”), do escritor inglês Rudyard Kipling (1865-1936). Para sermos sinceros, temos de dizer que foi graças a esse filme que Theda Bara transformou-se, do dia para a noite, numa celebridade (em 1918, ela era uma das três maiores estrelas de Hollywood, ao lado de Mary Pickford e Charles Chaplin) e tornou-se o primeiro símbolo sexual do Cinema (também em 1915, surgia, na França, no seriado Les Vampires, de Louis Feuillade, outro símbolo sexual do Cinema: Musidora).

Em verdade, Theda Bara foi uma criação da Fox, que produziu A Fool There Was. Explicando melhor: foi a Fox, quer dizer o departamento de publicidade do estúdio, tendo à frente Al Selig e John Goldfrap, que deu a Theodosia Goodman o nome de Theda Bara, que é um anagrama de “Arab Death”, isto é, “Morte Árabe” (segundo algumas fontes, Theda era um apelido que Theodosia tinha quando criança e Bara era aparentemente uma forma abreviada de seu sobrenome materno, Baranger). E o departamento de publicidade da Fox ainda lhe criou uma biografia inteiramente falsa (de acordo com essa biografia, ela nascera no Egito, por volta de 1892; era filha de uma atriz francesa, Theda de Lyse, e de um escultor italiano, Giuseppe Bara; passara seus primeiros anos no Deserto do Saara, sob a sombra da esfinge e das pirâmides; e mudara-se para a França, a fim de estudar teatro).

Interessada em impulsionar sua carreira no Cinema, Theodosia Goodman, agora já transformada em Theda Bara, aceitou participar dessa farsa. Inclusive, durante uma entrevista coletiva num hotel, em que apareceu usando uma roupa de veludo, ela, com um forte sotaque francês, relatou aos jornalistas presentes parte de sua “história”.

Cresci numa enorme tenda, não muito longe da esfinge. Para nós, o oásis, nosso pequeno lar, era como o Jardim do Éden. Minha mãe ensinou-me as línguas, a arte dos gestos, a arte da pantomima. Por outro lado, meu pai ensinou-me como pintar e a beleza e a combinação das cores.”

Resumindo: devemos a Theda Bara – com seus olhos enormes, cabelos longos e lisos, gestos lentos e roupas extravagantes – e ao filme A Fool There Was o surgimento da vampe, a mulher insaciável e pérfida, a mulher destruidora de lares e aniquiladora de homens, a mulher que passou a competir com as ingênuas, que até então dominavam o Cinema...

NOTA:

(*) Na verdade, foi em 1915.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Edwin Luisi

Quando descobriu a sua vocação profissional?
Foi num teste vocacional, muito comum na época. Estava meio perdido depois de largar meus estudos pra medicina por total incompatibilidade com a carreira que havia escolhido em criança. Como me senti confuso, meus pais me orientaram pra fazer o tal teste e deu Teatro como uma das três opções. Achei que não havia possibilidade de viver de arte e tentei outras faculdades, mas após ter ficado morando na França, com uma bolsa de estudos, decidi quando voltasse ao Brasil fazer a Escola de Arte Dramática da USP e foi aí que tudo começou. Não foi uma vocação e sim uma decisão.
 
Você iniciou sua carreira na função de ator quando entrou na Escola de Arte Dramática, da Universidade de São Paulo (USP). Em algumas profissões, como jornalista, não há necessidade de diploma. Você considera fundamental o ingresso acadêmico para se formar um ator?
Não acho fundamental, mas há um grande diferencial nos atores que fazem boas escolas. Ficamos três anos estudando, com matérias teóricas e praticas. Quando saímos estamos mais bem equipados para enfrentar o mundo profissional.
 
Você também estudou História da Arte. Qual era o seu intuito ao fazer esse estudo? Quais eram as suas preocupações?
Ganhei uma bolsa de estudos do governo francês no período que estava sem saber que rumo tomar na minha vida e o curso que me deram foi de Historia da Arte e Civilização Francesa. Na época nem dei tanta importância mas quando entrei na escola e depois no profissionalismo entendi que eu estava mais bem equipado para enfrentar meus textos . Tinha um conhecimento que muitos atores nem sequer imaginavam. Tenho uma base que me ajuda muito na hora de montar meus personagens, fora que por causa de minha longa estada na França , aprendi a falar francês e espanhol .
 
Sua entrada na Tupi, na novela ‘Camomila e Bem-Me-Quer’, 1972, foi turbulenta. Você abandonou as gravações por ter sido tratado mal. Como foi isso?
Minha participação em novelas da Tupi não são efetivamente boas lembranças. A emissora já estava num processo de declínio e tudo era muito difícil, mas nunca houve abandono de gravações e até fiz grandes amigos que são muito queridos até hoje. Acho que há alguma confusão nessa informação. Sempre disse que não fui feliz na Tupi, mas tudo em decorrência dos estertores pelo qual ela estava atravessando. Lembro também que éramos sete atores novos nessa novela e causamos algum ciúme no elenco que era fixo da emissora. Talvez seja isso a base dessa informação mas sempre fui muito disciplinado e jamais abandonaria uma gravação .
 
Acha que há um saudosismo desnecessário quando se fala na TV Tupi?
As pessoas que trabalharam lá durante anos e que fundaram a Tupi têm motivos de sobra para sentir saudade. Era uma televisão meio familiar numa época que a TV era vista como uma segunda casa para quem trabalhava em seus quadros. Assim foi com a Excelsior e com a antiga TV Record . Os profissionais davam a vida por suas casas de trabalho. Hoje é tudo mais empresa, mais frio, mais indústria. Além disso, a Tupi era uma grande geradora de programas que empregavam uma quantidade enorme de profissionais. O pessoal de São Paulo sente falta de uma TV forte que os empreguem com produções de qualidade como fazia a Tupi que foi uma grande inovadora. Fazia grandes novelas, teleteatro, musicais. Até hoje ha nomes de enorme importância no panorama televisivo e teatral que iniciaram suas carreiras lá.
 
Em 1977 você ganha projeção nacional no papel do galã Álvaro, na novela Escrava Isaura. Quais as suas recordações desse trabalho.
Foi uma coisa totalmente inesperada. Vinha fazendo teatro em SP depois que me formei e um dia o Gilberto Braga, que era critico de teatro no Rio, foi ver uma peça que fazia na época e ficou encantado com meu trabalho. Ele voltou ao Rio e pediu que a Globo me contratasse para fazer o galã na novela Escrava Isaura que iria começar. Como eu faria a peça que estava fazendo no Rio consegui juntar as duas coisas. Quando meu personagem entrou na trama eu já não consegui mais sair à rua tamanha repercussão. Claro que fiquei muito feliz com aquele carinho todo, mas também foi difícil dada a total invasão na minha vida. A novela foi um tremendo sucesso e fiquei conhecido no Brasil inteiro o que me facilitou para fazer minhas peças. Mudei-me para o Rio definitivamente e hoje sou paulista de alma e carioca de coração. Viajei muito através do sucesso da novela, fui a vários países a convite das televisões internacionais. “Escrava” me deu muitas alegrias e até hoje sou conhecido pelo papel de Alvaro . Sei que com essa novela faço parte da historia da televisão brasileira. Enfim, comecei no Rio com muita sorte ( a peça “A Margem da Vida “ que veio para o Rio tambem fez um baita sucesso ) e até hoje consigo fazer TV e Teatro da melhor qualidade .

Você assistiu ao remake feito pela TV Record anos depois? Se sim, o que achou?
Hoje vejo pouca novela. Estou sempre fazendo teatro o que me impede de assistir e não curto ficar gravando capítulos para ver depois. Não consegui ver nada do remake. Entre seus personagens clássicos está Felipe, o assassino de Salomão Hayalla na primeira versão da novela O Astro (1977), que virou macro série e volta para as telas da TV Globo. Gostaria que fizesse uma análise da primeira e segunda versão.

Não sou um teórico em dramaturgia e também não vi o remake de “O Astro”. Não sou muito dado a analises de novelas. Enxergo apenas como entretenimento. Posso falar que na época que fiz foi um dos maiores sucessos da TV Globo e até hoje é um referencial em teledramaturgia. Janete Clair foi talvez a maior novelista brasileira de todos os tempos.

Por que hoje em dia é tão difícil “prender” a audiência com uma trama? Muitas vezes os autores usam o artificio da apelação para alavancar a audiência, concorda com isso?
Como disse antes não sou de analises, mas ha de vez em quando alguns fenômenos entre as novelas, haja vista o estouro de Avenida Brasil. Para prender o publico é necessário uma boa historia e como o Brasil já viu tantas novelas com as mesmas características, com os mesmos atores talvez haja uma saturação. Mas é melhor remédio continua sendo trocar o canal. Se uma novela não é boa, não assista e isso obrigará os canais, os autores e diretores a repensar sobre tal produto, mesmo assim, pode acreditar, fazemos uma das melhores TVs do mundo e nossas novelas são muito bem aceitas internacionalmente. Quanto a apelação a que você se refere, isso é próprio de um veiculo popular. Acho que se você quer qualidade extrema, há ótimas opções que o publico geralmente ignora.

Muitos especialistas já decretaram o fim da novela. O que pensa a respeito?
Já disseram também que o teatro estava morto e ele esta mais firme do que nunca. A teledramaturgia em TV jamais morrerá no Brasil. Somos um pais ainda pobre e novela é uma diversão sem custos que criou raízes em nossa cultura assim como o futebol e o carnaval. Acredito sempre na reformulação e ao longo de nossa historia vimos coisas importantes sendo feitas por grandes idealizadores.

Sua marca mais forte é na televisão, onde atuou em produções emblemáticas como ‘Dona Beija’, ‘Araponga’, entre outras tantas produções. Gostaria que comentasse a sua relação com a televisão.
Minha marca mais forte sempre foi o teatro, onde fiz peças importantes e que ficaram no imaginário de quem assistiu. Perdoe minha autoreferencia, mas nem todo mundo sabe , sou o ator mais premiado do teatro brasileiro. Minha impressão é que eu FAÇO teatro e PARTICIPO da televisão. O teatro é meu universo de paixão. Curto demais fazer novelas. Gosto do ritmo alucinante, da possibilidade de trabalhar com vários colegas ao mesmo tempo, cada dia cenas novo, mas não me sinto dono do meu destino. Meu trabalho depende do Ibope, do humor do novelista, da opinião pública, do fim do meu contrato e tantas outras coisas. No teatro , quando abre o pano , sou dono do meu personagem e da minha vida. Mas que fique bem claro, faço Tevê com uma dedicação enorme.

A TV Manchete com suas produções chegou a ameaçar o reinado da TV Globo no gênero. Como era trabalhar lá? A Manchete pretendia mesmo desbancar a TV Globo?
Tenho lembranças muito positivas da TV Manchete. Fiz sua primeira novela que foi “ A Marquesa de Santos" . Era um período de puro idealismo e estávamos fazendo uma TV nova que fatalmente geraria inúmeros empregos para atores e técnicos em televisão. O ambiente era de pura excitação e gravávamos com muito entusiasmo. Estávamos desbravando um novo campo de trabalho. Durante um bom período a TV Manchete fez grandes produções e chegou ter em seus quadros atores, roteiristas e diretores da melhor qualidade. Não sei se o pessoal de lá pretendia desbancar a TV Globo, mas sei que queriam fazer um trabalho competitivo e também sei que algumas produções chegaram a altos níveis de audiência . Pena que o sonho um dia acabou e com ele muitas pessoas ficaram desempregadas até o surgimento da TV Record.

Em 1996 você atuou em Colégio Brasil, no SBT. Como foi trabalhar na emissora?
Eu não trabalhei no SBT. Fiz uma novela independente, gravada por uma produtora do Roberto Talma. Uma vez acabada ele negociou com as TVs e o SBT comprou e exibiu.

Sua participação no cinema é timida. Qual a razão disso?Dizem que o cinema é o local com a maior concetração de “panelas”, que para um ator entrar é complicado, concorda com isso?
Sempre senti esse clima de panelinha em relação a turma do cinema e como não sei fazer lobby , nem jogo politico e social fui ficando meio a margem . Além do mais sempre tive tanto trabalho fazendo TV e teatro ao mesmo tempo que nunca sobrou disposição para correr atrás . Esta tudo de bom tamanho e tenho a carreira bem sedimentada. Não quero trabalhar como louco e viver pouco. Na verdade estou na época de desfrutar mais a vida e trabalhar com comedimento.

Você já recebeu alguns prêmios (Governador do Estado do Rio de Janeiro, Shell, APCA, entre outros). O que eles representam para você?
Tenho vários prêmios de teatro. Segundo alguns dados, sou o ator mais premiado do teatro brasileiro, mas não é por causa disso que durmo em cima dos louros. Luto ferozmente para sempre apresentar um bom trabalho. Estud, tenho disciplina, sou persistente. Por ter ganho tantos prêmios acho que me impulsiono mais ainda para não decepcionar a quem me assiste . Para quem saiu de um bairro de italianos em SP, a Mooca, que naõ tinha o habito de assistir teatro ou veleidades culturais, os prêmios, para mim, talvez signifiquem o reconhecimento em relação aquele garoto que um dia ousou ser artista .

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Vladimir Capella

Vladimir Capella cursou a Fundação das Artes em São Caetano do Sul. É dramaturgo, diretor e músico, tendo seus textos destinados ao público infanto-juvenil. Estreou como diretor no espetáculo "Panos e Lendas", em 1978, pelo qual ganhou os prêmios Mambembe, Governador do Estado de São Paulo e Molière. Em 1985, com o espetáculo "Avoar", recebeu o Prêmio Apetesp, nas categorias Autor, Espetáculo, Diretor e Música ou Trilha Sonora. No ano seguinte, com a peça "Antes de Ir ao Baile", novamente foi premiado com pela Apetesp, nas categorias Autor, Espetáculo e Diretor.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Nunca participei de curtas.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
É um pouco como o teatro feito para crianças e o teatro adulto. O mundo capitalista tem algumas regras que eu nunca vou entender. Curtas não vendem. No fundo, acho que é simplesmente isso. Assim como o teatro para crianças não interessa ao mundo dos adultos que estão preocupados com as grandes questões. Como se o teatro jovem  e os curtas não tratassem de grandes questões também.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Sei lá.  Mas ao invés de trailers e propagandas no inicio das sessões dos longas deveria ser obrigatório passar um curta. Não é uma ideia boa?  Mas, na pratica isso não emplaca. Não tem retorno.
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Mais uma vez a comparação cabe aqui.  Os atores e diretores de teatro começam suas carreiras no teatro chamado infantil esperando a vez de fazerem teatro adulto. Agora até já mudou. Todos querem mesmo é fazer a televisão. Mas acho perfeitamente possível sim um cineasta se especializar em curtas metragens. Acho até uma ideia bacana, mas não vão conseguir sobreviver. O curta não é um cinema menor.  É uma forma de expressão.  E pode ser tão artístico quando um longa.
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Acho que sim.  É uma espécie de preconceito já arraigado, nem percebem, creio. Mas queixar-se não resolve. Tem que botar a mão na massa e fazer melhores curtas (que também, me parece,  carecem de qualidade) e tentar dessa maneira despertar a atenção para essa especificidade de arte que é o curta-metragem. Tarefa árdua com certeza. Mas...
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Adoro cinema. Vejo muito mais cinema do que teatro. Mas acho que já é tarde pra começar uma carreira nessa área.  São anos pra se conseguir espaço. Faria com muito prazer tanto curta quanto longa.  Aliás, tenho dois roteiros para filmes curtos e um para longa que dormem um sono profundo na gaveta da minha mesa de trabalho.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Bete Dorgam

Formou-se em Publicidade, na ECA/USP, e em Jornalismo, na Cásper Líbero. É mestre em Comunicação Social pela ECA/USP e fez Especialização em Jornalismo, na Universidad de Navarra – Espanha. É doutora em Artes Cênicas, pela ECA/USP. Suas principais atividades são: atriz, professora de Interpretação na EAD/USP, formadora do curso de Humor na SP Escola de Teatro e, até o início do ano, vice-diretora do TUSP (Teatro da Universidade de São Paulo).
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Um bom roteiro, uma equipe que inspire confiança.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Talvez por falta de uma política mais efetiva e uma visão mais ampla da mídia.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Particularmente, entrei em contato com trabalhos ótimos através da televisão, especialmente TV Cultura e Canal Brasil. Acredito que o curta pode encontrar na TV um caminho muito bom.
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Acredito que é possível, sim. Claro que os cineastas querem fazer longas, mas isso não significa que o universo do curta-metragem não possa ser pleno em si mesmo.
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Acho que a pergunta anterior responde um pouco a esta: muitos cineastas veem o curta como iniciação para se fazer um longa. Seria interessante apostar nele como uma possibilidade de realização artística e não de trampolim ou estágio preparatório.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Não! Pretendo trabalhar como atriz em vários!

domingo, 21 de abril de 2013

Izabel Jaguaribe

Diretora de comerciais, videoclipes e programas de TV que estreou na direção de longa-metragem em 2003 com o documentário ‘Paulinho da Viola – Meu tempo é hoje’, foi assistente de direção na minissérie ‘Agosto’, dirigida por Paulo José, exibida na Rede Globo. É dela também o documentário ‘Elza’, sobre a cantora Elza Soares.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
O filme da ‘Elza’ é um longa, na verdade nunca fiz um curta-metragem.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
É um formato mais difícil, menos comercial, acho também que ficou uma marca negativa da época em que era uma imposição exibir curtas antes dos longas nos cinemas, mas isso já mudou e a aceitação pra esse tipo de formato esta ficando maior.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Acho que uma boa opção seria a utilização da internet, o formato me parece altamente compatível com esse meio de divulgação, os festivais de cinema também são sempre uma opção boa.
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Na verdade poderíamos considerar que o curta é como uma crônica e o longa um romance. É possível ser um cineasta só de curtas, mas considero mais difícil e improvável, pois tem menos repercussão e mercado. Alem disso, creio que o formato maior do longa te possibilita um aprofundamento nos personagens e nos temas escolhidos que é muito prazeroso.
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Acho que não é exatamente marginalizado, mas sofre as consequências de ser menos comercial .
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Gostaria de dirigir um curta certamente, pois acho que a vantagem é justamente ter menos peso e cobrança o que possibilita maior liberdade e oportunidade pra experimentalismos.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica

Dois contos de sua autoria e um comentário
A POLTRONA PREDILETA DE LADY RUTHERFORD
Como fazia todos os dias ao longo dos anos, ao levantar-se, Lady Rutherford fez a toilete e com passos estudados caminhou pelo longo corredor de sua austera mansão e desceu os degraus de mármore da limpíssima escada. No terraço, foi prontamente servida pela criada e depois da primeira refeição saiu a passear pelo jardim, aspirando os perfumes das flores. Parou diante do pequeno lago artificial para admirar os nenúfares que o ornamentavam e os cisnes que graciosamente deslizavam pela placidez de sua superfície espelhada. A anciã sorriu, sentindo-se plenamente feliz e recompensada pela vida que Deus lhe dera. Duas lágrimas de gratidão desceram pela face de pergaminho da venerada senhora.
Ao voltar para a casa olhou-a demoradamente e a viu como um ente querido. Há quantos anos ela a acolhia?
Entrou pela porta lateral que o bom Hospkins deixava aberta para aquele momento, e que depois vinha prestativo trancá-la. Todos os dias Lady Rutherford repetia tudo como num titual sagrado, em que nada podia ser esquecido. Caminhou pela ampla sala, admirou os tapetes persas que pendiam das paredes, os quadros, acariciou demoradamente o veludo carmesim do sofá e um longo suspiro brotou das profundezas de seu peito. Como tudo lhe era tão caro.
Agora iria para a sua poltrona predileta na biblioteca e se entregaria à leitura. Passou ao grande salão repleto de estantes envidraçadas e quando dispunha-se a se sentar em sua poltrona deparou com algo que a fez estremecer: nela havia o cadáver de um homem com uma faca enterrada no peito!
Mãos trêmulas, Lady Rutherford balançou a campainha. Imediatamente apareceu o solicito e fleumático Hospkins.
- Que coisa horrível, Hospkins! Um cadáver na minha poltrona, tire-o imediatamente! Não admito ninguém na minha poltrona predileta!
A SALA
Hospkins, o fleumático modormo, caminhou silenciosamente pelo sombrio corredor da mansão e bateu muito d eleve numa porta branca. Ouviu-se uma voz dde sonoridade quase musical ordenando-o que entrasse.
Hospkins girou a maçaneta polida e entrou no amplo quatro, onde Lady Rutherford se encontrava diante de um atril, lendo. A anciã ergueu os olhos do livro e olhou com veneranda simpatia seu fiel servidor.
- O que é, Hospkins?
- Há um inspetor da Scotland Yard desejando falar com a senhora, minha querida Lady – disse o mordomo sem perder sua postura. – Ele se encontra na sala.
A boa senhora ajeitou os óculos de aro de ouro e encarou Hospkins com olhar intrigado:
- Na sala?!Onde fica a sala?
COMO LUCCHETTI DEFINE O TERROR
Lucchetti fazia parte de uma mesa redonda do Canal 13, TV Bandeirantes, onde se debatia o tema do sobrenatural. Em dado momento, o coordenador do programa voltou-se para ele e perguntou:
- Como você define o terror?
Fantasioso como é, todos esperavam que Lucchetti fosse evocar noites tempestuosas, longínquos e soturnos castelos perdidos entre pântanos e florestas lúgubres, onde estranhos e gemidos misturam-se aos uivos sinistros de lobos, cujas silhuetas sobre as estepes são recortadas contra o disco prateado da lua cheia. Enfim, usando todos os clichês do gênero. Porém, nada disso, o mais famoso ficcionista brasileiro de contos de mistérios deu a seguinte e original definição:
- Suponhamos que você passe por um antiquário e adquira um daqueles primitivos telefones que funcionavam a pilha e coloque-o como objeto de adorno uma dependência de sua casa. Certo dia, ensolarado e muito quente, quando você está confortavelmente refastelado na sua poltrona, muito à vontade e neste exato momento aquele telefone toca...
(*Texto de Garcia Gambero no Boletim Informativo da TV Bandeirantes, junho de 1971.)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Valentina Lattuada

Atriz, italiana. Sua personagem D. Eduarda na encenação do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) na peça ‘Senhora dos Afogados’ foi considerada um dos pontos altos do espetáculo.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Participo somente de projetos com bom roteiro, boa equipe técnica e bons artistas envolvidos, projetos que tenham um bom plano de ação e uma proposta artística consistente. Prezo muito a seriedade, profissionalismo, o entusiasmo e a criatividade, e considero muito importante a química e o trabalho de grupo entre todos os envolvidos.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Nos últimos anos aumentaram os festivais de curtas no mundo inteiro, assim como o espaço dedicado a esse tipo de produto cultural em festivais internacionais e nacionais. Mesmo assim às vezes a visibilidade alcança somente a classe artística ou os interessados num tema especifico. A crítica está dando mais atenção a produção de curtas mas não se alcança facilmente a mídia em geral e sobretudo o grande público... provavelmente por ainda ser considerada uma produção menor, pelos curtas terem uma vida útil de 2 anos (após os quais não são mais veiculados e nem aceitos em festivais), por não serem distribuídos em cinemas com os longas e por às vezes permanecerem numa linguagem experimental que agrada um público mais restrito. A produção está crescendo muito e está se especializando sempre mais, conseguindo obter também um financiamento maior, esses são pontos a favor, um estimulo e uma possibilidade de chamar a atenção sempre mais... quebrando preconceito..., é um caminho um pouco longo, youtube e internet em geral com certeza ajudam...
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição de curtas para atingir mais público?
Provavelmente deveria se voltar (como aconteceu por um breve período) a exibir um curta antes de cada longa no cinema, assim como deveria ter um programa semanal na TV aberta, ou um Box dentro de algum programa com alto ibope, que mostre as melhores produções de curtas (eu sou de Milão, Itália... e lá isso acontece... pelo menos acontecia até uns anos atrás...). Deveriam produzir DVDs para mais curtas e colocá-los a venda e para locação. Deveriam unir curtas a patrocinadores privados, enfim, muito pode ser feito...
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Se você é cineasta e é bom, vai chegar um certo momento que você vai chamar bastante atenção pelo teu trabalho, isso aumenta a possibilidade de você captar dinheiro para os teus projetos... isso quer dizer, que a um certo momento você vai poder e querer ampliar o teu raio de ação e contar uma história em 90 minutos e não em poucos... é natural... mesmo que você tenha paixão por curtas e você continue produzindo esse tipo de filme... se você tem a possibilidade de fazer um longa, você vai fazer!!!
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Sempre menos... se você é da área você reconhece qualidade onde a vê. Você pode ter muita mais moral como diretor ou ator de curtas legais (mesmo que menos vistos pela massa) do que um super ator ou super diretor de muitos filmes sem tanta qualidade e comprometimento artístico. O curta é sempre mais visto como uma linguagem própria, com seu valor e características próprias, estimula diálogo e curiosidade. É um campo de muitas possibilidades criativas... isso permite que seja reconhecido seu impacto...
 
Claro que é muito fácil você pegar uma câmera, começar a filmar e dizer que você é diretor de curtas... coisa que você não pode fazer com longa porque requer muito dinheiro... isso quer dizer que até que você não demonstre a qualidade do seu trabalho você vai gerar desconfiança... pois hoje em dia todo mundo é “ator”, “diretor”, etc... então o preconceito de quem é realmente ator e diretor, etc, aumenta... acho isso natural... assim como a seleção natural da grande quantidade de produção... não é marginalização, é peneira... mas o que é bom sempre sobressai... seja curta, longa, clipe, etc... apesar dos problemas com os patrocinadores e o grande público. E o que é ruim, apesar de ser produzido, fala por si.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Sim, se houver tempo e possibilidade, tenho algumas boas histórias pra contar...

segunda-feira, 15 de abril de 2013

BISTURI - Rejane K. Arruda

Naturalismo e Vertigem em “A Separação” de Asghar Farhadi

 “A Separação”, de Asghar Farhadi, vencedor do Globo de Ouro de 2012 e indicado ao Oscar de roteiro, tem início com os atores olhando em direção à câmera posicionada no lugar do juiz. O juiz decide que a mulher (Leila Hatami) que está deixando o marido (Peyman Moadi) não poderá levar a filha do casal de doze anos (Sarina Farhadi) para viver com ela no exterior. Na discussão acalorada, as falas se sobrepõem e parecem de improviso.
O foco desta coluna é o ator dentro do filme. No entanto, cada vez mais meu interesse se desloca para o filme onde o ator está inscrito. Um roteiro como o de “A Separação”, com conflitos de posições muito diferentes (construídas no desenrolar do filme) oferece ao ator material bastante concreto: uma espécie de significante que o seu personagem representa. Se há o enlaçamento emocional com esta posição, se o ator se enlaça a materiais verbais e visuais que esta posição implica (engendrando deslocamentos a partir deste significante), pode imprimir o “viver”. Trata-se da clássica demanda: “não são atores, mas pessoas”. Alguns diretores não querem imprimir a visualidade de uma situação de representação, mas de uma pessoa inscrita no cotidiano mimético. É como se a visualidade do contexto do ator (que representa) ofuscasse a visualidade da mimese de um cotidiano familiar.
A atuação naturalista é neste filme expressa especialmente por uma criança, cujas imprecisões e ambiguidades são bastante destacadas na mise-en-scene. A menina é filha da mulher (Serah Bayat) contratada para ajudar o personagem de Peyman Moadi a cuidar da casa quando sua esposa vai embora. Em certo momento, a menina está limpando as mãos, sujas de lixo, no vestido. A câmera captura a sua imagem quase de costas, meio de esguelho. A imagem da menina imprime balbucio, dúvida e escolha momentânea, ar de improviso, certa imprecisão e delicadeza (tal como a câmera, dançando um bocadinho). Como se a ação de limpar tivesse surgido naquele instante graças à determinação do significante anterior: “sujou a mão”. Aparece o sentido de um enlaçamento linear que, de repente, o diretor corta. Primeiramente, para uma coisa bastante óbvia (cuja elipse precipita): a mãe dando-lhe uma bronca. A ação é bastante simples, mas a maneira de filma-la implica fascínio. A ação seguinte segue a lógica linear: a mãe limpa o lixo no lugar da criança. Mas vem o corte (e aqui é a narrativa que nos sobressalta): “o velho pai” sumiu.
Ali-Asghar Shahbazi interpreta um velho doente que precisa de cuidados. É por causa dele que o personagem de Peyman Moadi não pode deixar o país. Com delicadeza, o filme tematiza as proibições sobre as mulheres, quando a empregada faz uma consulta por telefone para saber se, pela sua religião, deve ou não limpar o senhor que urinou nas calças. Quando é o personagem de Peyman Moadi que precisa ver as pernas do seu pai, ele pede para a sua filha adolescente sair do quarto. Como o velho continua imóvel, Peyman Moadi fecha a porta, bloqueando o nosso olhar (do espectador). Parece haver uma linha narrativa que abarca também a relação com o espectador. O olhar da câmera se denuncia com ângulos enviesados, os planos encobertos – estabelecendo a visualidade de uma relação com o que filma, enquanto o ator deve disfarçar (esconder) a visualidade da representação para se entregar como objeto, inscrito no cotidiano que ela captura. Há uma mise-en-scene, onde o ator está inscrito, que implica um discurso como efeito – e que necessita da sua “naturalidade” (digamos assim, mesmo sabendo que esta é construída com significantes que incidem sobre ele).
Em certo momento o cineasta interrompe o movimento da personagem de Sarah Bayet com um corte para a contra-ação[1]. O trabalho que o ator faria no teatro, manejando contra-ações para imprimir o impulso da ação em cena[2], o cineasta faz com o corte. A empregada está retirando o lixo da escada. A sua filhinha (que a acompanha no trabalho) vem lhe dizer que “o velho pai” não está no quarto. Ela manda que a menina vá procurar no banheiro e começa a subir a escada. No entanto, instantes antes, havia olhado para baixo, dando a entender que pensou em descer. Assim que começa a subir, o seu movimento é interrompido por um corte para o plano dela descendo. E correndo. Uma pequena elipse interrompe este momento e nos trás a personagem já na rua para, em seguida, mostrar a menina abrindo a porta da varanda do apartamento e espiando a mãe lá de cima. Vemos a mulher correndo entre os carros e novamente um corte para olharmos de perto. E outro para olharmos de frente. Neste momento o filme imprime um ritmo diferente. O princípio do recorte dos corpos através dos objetos (que o filme se utiliza desde o início) encontra aqui expressão. A imagem da mulher é engolida pelos carros no momento em que precisa resgatar um velho.
No entanto, este foi apenas buscar o jornal. O que poderia ser grave é também um gesto corriqueiro. A ambiguidade se resolve somente quando sabemos que houve de fato um atropelamento, mas da mulher, que perde o bebê. Não vemos este momento (só sabemos disto mais tarde) e o que o filme esconde implica uma série de deslizamentos. O que pensávamos que era não era. O que pensávamos que era tema (a separação do casal) também não era. Trata-se de um homem acusado de empurrar a empregada grávida da escada. O filme se agrava e uma questão que se coloca é: de que separação se trata então? A cena do quase atropelamento do “velho pai” nos trai uma expectativa (já que ele não é atropelado) que pouco depois é satisfeita: a mulher foi. E não é sem porque que o corte seguinte é para uma mesa de jogo. As duas meninas (filha da empregada e filha do patrão) gritando. Pela primeira vez vemos “o velho pai” integrado com a sua família. As garotas em uma alegria só, com seus gritinhos expandidos, jogando Pimball. Seria um capricho distanciar neste momento a câmera para trás de uma janela envidraçada? Fazendo nosso olhar se deslocar abruptamente e retornar? Um detalhe tão ínfimo poderia ter ficado fora da montagem. No entanto, ele não seria também signo de que algo está errado? Como se nos solicitasse um pouco mais de cuidado ao olhar aquela confraternização? Mais um corte e vemos a empregada de olhos fechados lavando o rosto na pia da cozinha. E é com ela que seguimos, no ônibus, cansada a ponto de dormir em pé. Estaria apenas cansada do trabalho. Mas novamente o filme nos fará deslocar o olhar sobre esta mulher que no dia seguinte chega meia hora atrasada e recebe uma chamada da vizinha por deixar “o velho pai” esperando (além de ter deixado a escada suja).
Junto a elipses e deslocamentos do olhar (tanto do olhar sobre a narrativa quanto sobre a visualidade do cotidiano daquela família), o cineasta cumpre “o protocolo do linear” quando nos mostra planos quase “normais” do pai buscando sua filha na escola. Não fosse a vertigem do olhar sobre o trânsito da cidade (e as mulheres encobertas) e a maneira como captura a filha através do espelho do retrovisor, esta seria uma das tantas que vemos nos filmes que apenas “contam uma história”. Em meio à “normalidade”, novamente um corte: quando pai e filha chegam, a empregada não abre a porta. Parece-me que o cineasta reveza, entre linguagem da câmera e do roteiro (entre construção da história e misce-en-scene), a responsabilidade do corte. Ele maneja duas ferramentas que, de tempos em tempos, imprimem sobressalto. Quanto às posições do olhar que a narrativa implica, os saltos são abruptos e tortuosos – de maneira que o conflito torna-se contradição. O pai e a sua filha encontram o velho caído, ao lado da cama, amarrado pelos pulsos. O amor incondicional expresso nos cuidados deste filho (e mesmo na maneira como toca o pai), o choro da menina: tudo nos leva a olhar a cena de maneira a acusar empregada que sumiu. No entanto, ficamos sabendo que ela saiu porque precisou ir ao médico (depois de limpar a escada a pedido da vizinha) e tinha abortado. A vítima era ela. Mas o que seria conflito é contradição também (no sentido brechtiano, determinada socialmente). Afinal, porque uma mulher grávida precisa trabalhar limpando escadas e se responsabilizar por um velho pai fujão que caminha entre os carros com o risco de ser atropelado?
A partir daí, o conflito se complica: a empregada acusa o patrão de ter-lhe empurrado da escada. Como não sabemos o que é verdade e o que não é (pois o filme não mostra como ela abortou), o olhar acusativo é voltado, então, para aquele pai de família que até então era bom e dedicado. Ele passa, até aos olhos da filha, a canalha mentiroso (e então a razão se desloca novamente para a mãe, que foi embora). É neste sentido que os saltos do olhar sobre a narrativa nos faz mudar de posição. O olhar passeia entre um e outro ponto de vista. Compreende-se a plasticidade deste olhar que circula e não encontra terra firme para aportar porque o que está em questão não é a razão de um ou de outro personagem e sim as contradições sociais que o filme mostra.

Rejane Kasting Arruda, abril de 2013.




[1] Termo proposto por Meyehrhold.
[2] Como imprimir o impulso da ação é uma questão muito debatida nas pesquisas em artes cênicas.