sexta-feira, 19 de abril de 2013

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica

Dois contos de sua autoria e um comentário
A POLTRONA PREDILETA DE LADY RUTHERFORD
Como fazia todos os dias ao longo dos anos, ao levantar-se, Lady Rutherford fez a toilete e com passos estudados caminhou pelo longo corredor de sua austera mansão e desceu os degraus de mármore da limpíssima escada. No terraço, foi prontamente servida pela criada e depois da primeira refeição saiu a passear pelo jardim, aspirando os perfumes das flores. Parou diante do pequeno lago artificial para admirar os nenúfares que o ornamentavam e os cisnes que graciosamente deslizavam pela placidez de sua superfície espelhada. A anciã sorriu, sentindo-se plenamente feliz e recompensada pela vida que Deus lhe dera. Duas lágrimas de gratidão desceram pela face de pergaminho da venerada senhora.
Ao voltar para a casa olhou-a demoradamente e a viu como um ente querido. Há quantos anos ela a acolhia?
Entrou pela porta lateral que o bom Hospkins deixava aberta para aquele momento, e que depois vinha prestativo trancá-la. Todos os dias Lady Rutherford repetia tudo como num titual sagrado, em que nada podia ser esquecido. Caminhou pela ampla sala, admirou os tapetes persas que pendiam das paredes, os quadros, acariciou demoradamente o veludo carmesim do sofá e um longo suspiro brotou das profundezas de seu peito. Como tudo lhe era tão caro.
Agora iria para a sua poltrona predileta na biblioteca e se entregaria à leitura. Passou ao grande salão repleto de estantes envidraçadas e quando dispunha-se a se sentar em sua poltrona deparou com algo que a fez estremecer: nela havia o cadáver de um homem com uma faca enterrada no peito!
Mãos trêmulas, Lady Rutherford balançou a campainha. Imediatamente apareceu o solicito e fleumático Hospkins.
- Que coisa horrível, Hospkins! Um cadáver na minha poltrona, tire-o imediatamente! Não admito ninguém na minha poltrona predileta!
A SALA
Hospkins, o fleumático modormo, caminhou silenciosamente pelo sombrio corredor da mansão e bateu muito d eleve numa porta branca. Ouviu-se uma voz dde sonoridade quase musical ordenando-o que entrasse.
Hospkins girou a maçaneta polida e entrou no amplo quatro, onde Lady Rutherford se encontrava diante de um atril, lendo. A anciã ergueu os olhos do livro e olhou com veneranda simpatia seu fiel servidor.
- O que é, Hospkins?
- Há um inspetor da Scotland Yard desejando falar com a senhora, minha querida Lady – disse o mordomo sem perder sua postura. – Ele se encontra na sala.
A boa senhora ajeitou os óculos de aro de ouro e encarou Hospkins com olhar intrigado:
- Na sala?!Onde fica a sala?
COMO LUCCHETTI DEFINE O TERROR
Lucchetti fazia parte de uma mesa redonda do Canal 13, TV Bandeirantes, onde se debatia o tema do sobrenatural. Em dado momento, o coordenador do programa voltou-se para ele e perguntou:
- Como você define o terror?
Fantasioso como é, todos esperavam que Lucchetti fosse evocar noites tempestuosas, longínquos e soturnos castelos perdidos entre pântanos e florestas lúgubres, onde estranhos e gemidos misturam-se aos uivos sinistros de lobos, cujas silhuetas sobre as estepes são recortadas contra o disco prateado da lua cheia. Enfim, usando todos os clichês do gênero. Porém, nada disso, o mais famoso ficcionista brasileiro de contos de mistérios deu a seguinte e original definição:
- Suponhamos que você passe por um antiquário e adquira um daqueles primitivos telefones que funcionavam a pilha e coloque-o como objeto de adorno uma dependência de sua casa. Certo dia, ensolarado e muito quente, quando você está confortavelmente refastelado na sua poltrona, muito à vontade e neste exato momento aquele telefone toca...
(*Texto de Garcia Gambero no Boletim Informativo da TV Bandeirantes, junho de 1971.)