terça-feira, 12 de novembro de 2013

Maria Ceiça de Paula

Atriz.
 
Como iniciou sua ideia de se transformar em atriz? Como foi esse processo?
Na verdade eu faço teatro e canto desde criança. Primeiro, no salão paroquial da igreja, influenciada por uma prima catequista e depois ao longo do período escolar eu sempre fiz parte dos corais. Depois de formada, já trabalhando como técnica de eletricidade na Light e já tendo trancado a faculdade de engenharia duas vezes, buscava outros caminhos para estudar quando me reencontrei num curso teatro e aí resolvi estudar à vera e seguir carreira.
 
Vencer no audiovisual brasileiro já é difícil, sendo mulher e negra é ainda mais?
Eu diria que vencer como ator e atriz neste país é difícil. Sendo negro já é um agravante e mulher ainda por cima!!!!! Não nos vemos representados no "audiovisual" como o ideal de beleza, dos vencedores, dos bem sucedidos, etc... em consequência , os contratos e os papeis são pequenos e quase sempre estamos em personagens estereotipados, escravos....ou o que é pior, invisíveis em muitas produções.
 
Você é uma das personalidades mais engajadas no debate sobre o negro no nosso audiovisual, do inicio desse debate até o presente momento, qual é a sua análise a respeito deste tema?
Eu observo uma ligeira melhora nas possibilidades de representação do negro no cenário das obras audiovisuais atualmente porque, paralelo aos debates, às questões das cotas nas universidades, existe atualmente um clamor pelas causas sociais.
 
A sociedade brasileira, como um todo, está mudando o olhar. Existe vontade política para mudanças e isso tende a melhorar a autoestima da população negra, da população carente e então, a arte e a educação serão encarados com mais seriedade.
 
Gostaria que falasse a respeito da sua parceria com Joel Zito Araújo. ‘Vista da Minha Pele’ (curta-metragem) e ‘Filhas do Vento’ (longa-metragem) foram trabalhos que realizaram em conjunto.
Eu costumo brincar um pouco quando falo da minha relação de casamento com o Joel: Não tivemos filhos mas fizemos filmes. rs, rs.
 
Foi uma experiência muito interessante profissionalmente em “Vista a minha Pele” porque também pude trabalhar fazendo a assistência de direção. Um filme que fez muito sucesso nas escolas abordando a possibilidade de trocar de lugar para se ter uma ideia do que é a vida do outro e, no caso, a visão do outro com a cor da pele.
 
Em filhas do vento, além de participar de todo o projeto, desde os primeiros debates e encontros e, antes mesmo do roteiro, à maravilhosa carreira do filme, os prêmios ganhos em Gramado, as viagens internacionais, etc...
 
Filme: O Testamento do Sr Napomuceno. Gravação em Cabo Verde.
 
Você participou de uma produção história, ‘Carlota Joaquina’, que muitos dizem que foi o filme que iniciou a retomada do nosso cinema. O que pensa a respeito disso? Houve mesmo uma retomada?
Com certeza esse filme foi um marco do cinema nacional, dando inicio a uma nova fase. Na verdade o nosso cinema está sempre se reinventando, seja por conta da extinção da Embrafilme em 1990, seja por conta da decadência da antiga Vera Cruz , iniciada em 1949 ou das novas linguagens como no filme Cidade de Deus... eu acredito na nossa vocação para a indústria de cinema.
 
A fórmula original da Carla Camurati de produzir, dirigir e distribuir o filme acabou com o desânimo que pairava sobre o fazer cinema nacional. Tenho orgulho de estar neste filme, estava também iniciando a minha carreira no cinema nacional.
 
Acredita que o Brasil ainda se tornará uma indústria de cinema?
Acredito sim. Estamos buscando a nossa própria linguagem, as nossas fórmulas de produção. Já temos muitos filmes sendo feitos de formas geniais e originais. A força da população brasileira, a miscigenação, nos faz únicos na nossa "contação" de histórias...
 
Como foi trabalhar com Cacá Diegues em ‘Orfeu’?
Extraordinário. Cacá é um diretor maravilhoso. Ele não perde a oportunidade de aprender e lançar um novo olhar sobre o que muitos nem percebem. Tive várias momentos incríveis filmando "Orfeu". De aplausos em cena aberta durante as filmagens, chegando a detalhes nas emoções orquestrada por Cacá até quase "explodir" num misto de dor, prazer, amor, ciúme em plena Sapucaí na pele da personagem "Carmem".
 
Cenas de Orfeu.
 
‘Padre Mestre’; ‘Na Boca do Sapo’; ‘O Moleque’, foram alguns dos curtas-metragens que você atuou. Quais as razões que te levam a aceitar um trabalho em curta-metragem?
As razões para meu trabalho no cinema são sempre um bom roteiro e confiança na direção. Curta ou longa, tanto faz. O mercado tem espaço e acho que vamos crescer ainda mais.
 
O que pensa a respeito desse gênero?
Eu acho que o curta já passou da época em que era só um meio de experimentação pelos diretores e equipe para se chegar ao longa metragem. Hoje já existe um mercado consumidor próprio para o curta, muitos festivais e acho que falta ainda mais reivindicações para que eles voltem a ser exibidos regularmente, antes dos longas nos cinemas como antigamente.
 
Você participou de diversas produções televisivas, as novelas predominam no seu currículo que consta com ‘Pacto de Sangue’; ‘Fera Ferida’; ‘Uga-Uga’, entre outras. O que a telenovela tem de interessante para o trabalho que te desenvolva como atriz?
Na televisão o ator tem a oportunidade de experimentar situações diversas e que são bem positivas. Uma delas é atuar e raciocinar com rapidez. Numa novela gravamos várias cenas por dia, de capítulos diferentes, sem a possibilidade às vezes de repetir. Atuar também com várias câmeras ligadas ao mesmo tempo e equipes grandes exigem bastante concentração e controle.
 
Todas as novelas citadas acima foram na Rede Globo. Quais as suas principais lembranças da emissora?
Todas as lembranças dos meus trabalhos na Globo são ótimas. Me sinto uma pessoa privilegiada, todos os meus personagens fizeram sucesso, trabalhei com grandes diretores e autores. O que dizer da Tuquinha Batista em "Felicidade" de Manoel Carlos ou da Márcia em "Por amor", também do Maneco? Da Engracia, de "Fera Ferida" de Agnaldo Silva, da Rosa de "Uga-Uga" de Carlos Lombardi? Todas foram ótimas e eu sinto muita gratidão por tudo.
 
 
Após um longo vínculo com a Rede Globo você foi para a Rede Record, onde gravou as telenovelas ‘Caminhos do Coração’ e ‘Mutantes’. Como foi essa transição?
Foi tranquila porque na época que fui convidada para a Record, estava sem nenhum contrato. Aí chegamos num ponto da conversa que quero falar... apesar dos sucessos, nunca tive, antes de ir para a Record, um contrato longo renovado depois da novela e isso me deixou muito sem rumo e sem entender o que acontecia... entramos aí na questão racial. Só assim para entender porque outros atores "brancos" eram contratados com menos sucesso até do que eu... ouvi várias vezes, nas minhas buscas por mais trabalho, as pessoas ou diretores dizendo que meu trabalho era  ótimo, as pessoas gostavam de mim, etc... mas que NÃO TINHAM personagem pra mim naquele momento. É terrível constatar num produto audiovisual brasileiro, com elenco de 60, 70 pessoas que não tem personagem negro.... que não se tem parâmetro para talento, a autoestima fica no chão. Tive muita sorte porque nestes intervalos fiz teatro, cinema mas deixo aqui registrado que é difícil se erguer, se achar capaz. Se não for por desânimo, é pela sobrevivência que se desiste. E por aí ficaram vários amigos meus, talentosos, bonitos, mas que foram por outros caminhos porque o feijão com arroz e o pão, diários, não esperam por dois  anos para uma próxima produção que tenha "negros". Digo que hoje o país está acordando, está mudando o olhar, já temos novos talentos com contratos longos. Já é reflexo de toda uma luta que vem lá de trás, com os pioneiros, Ruth de Souza, Leá Garcia, Grande Otelo... Imagina o que não passaram? E que talentos... Me lembro que na novela Felicidade, conversávamos sobre isso e eu ouvia a Maria de Alves, o Milton Gonçalves e pensava: isso acontece com eles, pelas dificuldades do passado, comigo vai ser diferente.... qual nada!!!!
 
Mas posso afirmar: hoje já é diferente. Yes, we can! Está aí Barak Obama que não nos deixa mentir.
 
Na Record fui muito bem recebida, fiz já três novelas, uma minissérie, fui convidada a assinar um contrato longo e estou esperando ainda para este ano uma nova convocação para uma novela ou minissérie.
 
Há um declarado interesse da emissora em produzir telenovelas com o mesmo padrão da Rede Globo. Qual é a sua análise a respeito?
Não sei se é um declarado interesse ou é a linguagem que nós, brasileiros encontramos para fazer telenovelas... é claro que com a "guerra de audiências" existe a tentativa de envolver os telespectadores e mudanças bruscas não são bem vindas pelo telespectador acostumado a um determinado formato.
 
Você participou de séries e minisséries. Como é a rotina de trabalho nessas produções?
O trabalho em minissérie tende a ser menos exaustivo do que novela por ter menos capítulos, o tempo de preparação é outro, tudo é feito com mais calma e cuidados especiais.
 
Qual ou quais os trabalhos que mais se orgulha de ter feito (critério deve ser pelo seu desempenho pessoal)?
Pode parecer blasé, mas eu me dedico tanto a cada trabalho que faço, e o faço com tanto prazer que é difícil dizer qual. Cada um deles teve a sua função naquele determinado momento na arte e na minha vida particular. As emoções, as dores, o sucesso, as frustações, tudo contribuiu e contribui para o meu aprimoramento como pessoa, eu acho.
 
O Aleijadinho.
 
Como você se classifica como atriz?
Sou uma atriz apaixonada pelo que faço, me sinto privilegiada porque pude escolher e sobrevivo desse meu trabalho.
 
Não fico pensando que sou talentosa, eu "suo a camisa" e tenho necessidade de fazer muito mais.
 
Considera sua carreira vitoriosa?
Claro! Dela tiro a sobrevivência, criei meus filhos! Tenho muitos planos e continuo otimista.
 
Para finalizar, gostaria de saber se acredita ser subestimada como atriz pela crítica e pelo meio audiovisual.
Não, de maneira nenhuma. O fazer artístico em geral, seja teatro, cinema e televisão acontece em meio a um emaranhado de relações, convivências e conveniências que não há como determinar certas coisas, elas simplesmente acontecem ou não.