quarta-feira, 7 de maio de 2014

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica


O BANDIDO

R. F. Lucchetti

Olhou pela janela e estremeceu. Quem seria aquele cavaleiro que se aproximava vindo pela estrada? Não gostava de ficar sozinha, e Gennaro demoraria para chegar.

Ela fechou a janela nervosamente, caminhou até a porta, escutou o tropel do cavalo que chegava e, em seguida, ouviu quando o cavaleiro desmontava. Meu Deus, o que quererá ele? Talvez soubesse que Gennaro não estava... Seus pensamentos foram cortados por fortes pancadas na porta. Ela sentiu que suas pernas bambeavam. Novas pancadas. Fez o Sinal da Cruz e abriu a porta timidamente.

– Gennaro? – Perguntou o homenzarrão à sua frente, segurando um rifle.

– Ge... Gen... naro não está – mal ela pôde murmurar.

– Espero.

– O senhor precisa mesmo falar com ele?

– Preciso. Meu negócio é com ele mesmo – falou o homem secamente, dando as costas para a mulher e afastando-se.

A mulher ficou parada na porta. Queria chamar o cavaleiro, mas sua voz não saía. Estava trêmula. Aquele homem que procurava pelo seu marido era o temível bandido Rufino. E o que iria ele querer com Gennaro? Para que aquele rifle?

Rufino atravessou o terreno diante da casa e foi sentar-se à sombra de uma árvore, enquanto sua montaria pastava.

Ela encostou-se à porta. Não teve forças e nem vontade de trancá-la com o ferrolho. Ai, meu Deus! Que faria? Poderia ela fazer para salvar o seu amado Gennaro? Ela sempre lhe falava que não gostava de ficar sozinha, pedia para que ele a levasse... De repente, sua mente iluminou-se. Não teria sido a divina providência que a fizera ficar em casa? E se aquele bandido tivesse chegado e não houvesse encontrado ninguém? Ficaria de tocaia; e quando Gennaro voltasse... Pimba! Uma bala bem no coração! Mas ela estava ali, poderia fazer alguma coisa... Abriu lentamente a porta e através da fresta olhou o homem. Lá estava ele, recostado ao tronco da árvore, segurando o rifle entre as pernas.

Ela fechou a porta com o mesmo cuidado com que a abrira. Não queria que o homem a visse espionando. Enquanto isso, no seu cérebro começava a germinar uma idéia... Caminhou até o quarto. Abriu a porta do guarda-roupa e olhou-se no espelho. Deu meia-volta, levantou a saia até acima dos joelhos e puxou-a com uma das mãos para trás, tornando-a justa. Com a mão livre, desabotoou o primeiro botão da blusa e puxou o cabelo para trás. Fez pose. Até que não era nada má. O ano e meio em que estava casada com Gennaro não lhe deformara em nada o corpo, como acontecera com a maioria das suas amigas.

Imediatamente, ela arrancou o vestido, tirou suas roupas íntimas, jogando tudo dentro de uma gaveta. Em seguida, abriu outra gaveta; e, do fundo, tirou cuidadosamente um embrulho de papel brilhante. Sorriu, enquanto o abria. Em sua memória, viera-lhe as imagens da sua primeira noite de casada, lá naquele hotelzinho de Florença. E, naquele embrulho, estava exatamente o vestido que usara na sua viagem de núpcias. Guardara-o, pensando um dia usá-lo novamente, quando fivesse uma viagem com Gennaro. Então, ao lembrar-se do bandido lá fora com o rifle, voltou toda a sua agitação. Não podia ficar ali parda, perdendo-se em seus pensamentos, enquanto o bandido esperava a volta de Gennaro. Vestiu rapidamente a calcinha, calçou as meias e colocou o ousado sutiã, modelo tomara-que-caia. Depois, chegou a vez do vestido. Ele era tão justo que mal conseguiu abotoá-lo. Olhou-se no espelho. Estava tudo bem, mas esquecera-se do cabelo. Alisou-o e deixou-o solto, caindo em forma de cascata pelos ombros. Gennaro dissera-lhe certa vez que cabelo solto é mais provocativo e sensual, e Gennaro entendia dessas coisas.

Uma vez mais mirou-se no espelho. Achou-se sedutora. Todas as vezes que ia à cidade, mesmo estando com Gennaro, percebia os olhares cobiçosos dos homens e os de inveja das mulheres. Perfumou-se e já ia saindo, quando lembrou-se de alguma coisa: “Estava esquecendo o principal”, pensou Voltou para o quarto, ajeitou a colcha sobre a cama e retirou do interior do guarda-roupa dois travesseiros, colocando-os na cabeceira, tudo muito bem arrumadinho. Ia saindo, quando tornou a voltar. Apanhou um vidro de perfume, que estava sobre a penteadeira e esborrifou-o no ar. Em seguida, saiu. Dessa vez saiu mesmo. Foi até a cozinha. Apanhou uma caneca. A meio caminho, parou, olhou-a. Aquela não! Era a caneca do Gennaro. Guardou-a e pegou outra. Não custava nada tomar certas medidas higiênicas...

Só depois de se certificar de que tudo estava convenientemente arrumado, foi até a porta da rua, abriu uma pequena fresta e através dela olhou para fora. Rufino estava sentado no mesmo lugar, olhando o interior do cano do rifle. “Talvez ache que possa estar entupido e que a bala não saia”, ela pensou. Novo estremecimento, e as pernas bambearam outra vez. Olhou para o relógio: quatro horas da tarde. Gennaro deveria voltar lá pelas oito ou nove horas da noite. Mas as horas passam depressa, e ela não poderia saber quanto tempo ele levaria para... Gennaro era ligeiro, não perdia muito tempo com essas coisas. Entretanto, muitas das suas amigas falavam que seus maridos levavam até mais de hora. E também havia a possibilidade de Rufino ser como o marido da Sofia, que nunca se contentava somente com uma.

Fez “psiu”. Rufino não tomou conhecimento. Ou será que não ouviu? Ela deu um passo além da porta e fez de novo “psiu”. Dessa vez o bandido levantou a cabeça e olhou na direção dela. Afirmou bem a vista. Ela estava diferente agora. Ele levantou-se e veio na sua direção, segurando firmemente o rifle.

– Achei que o senhor gostaria de comer alguma coisa – disse ela timidamente.

Ele nada respondeu. Entrou. Ela o seguiu e teve o cuidado de trancar a porta com o ferrolho. Ao passar pela porta do quarto, Rufino olhou para dentro, sentiu o perfume e viu também os dois travesseiros arrumados cuidadosamente na cabeceira da cama. Ela fez um esforço tremendo para não desmaiar. Conduziu-o até a cozinha.

Rufino sentou numa cadeira, colocando o rifle encostado à mesa. A mulher despejou vinho na caneca e cortou uma fatia de queijo. Tudo isso foi feito de modo que ela ficasse debruçada sobre a mesa, permitindo que o homem visse parcialmente – através do decote do vestido – seus seios opulentos. Ela sorriu ingenuamente, derrubando de propósito uma faca no chão. Ao abaixar-se para apanhá-la, a saia subiu, deixando suas coxas à mostra. Rufino engasgou-se com o vinho. O homem começou a suar e desabotoou a jaqueta de couro. Bebeu de um só gole todo o vinho da caneca.

Ela encheu-a de novo. Ele bebeu. Ela encheu-a uma vez mais. Ele bebeu novamente. A operação repetiu-se tantas vezes que a mulher perdeu a conta de quantas canecas de vinho ele bebera. Enquanto isso, ela falava, falava, falava sem parar, a fim de esconder o seu nervosismo. E o homem engolindo-a com os olhos.

– O senhor ainda não comeu nenhum pedaço de queijo.

Foi um ardil que ela usou para aproximar-se dele e entregar-lhe o queijo, fazendo com que sua mão roçasse na do homem.

Rufino agiu como que impulsionado por uma mola. Segurou-lhe a mão e puxou a mulher para si, estreitando seu corpo contra o dela e beijando-a com ardor.

As mãos dele seguraram o decote do vestido. Ela ouviu o ruído do tecido se rasgando. A princípio, sentira repugnância por aquele homem; agora, sentia uma sensação estranha. Esquecera até mesmo quem ele era e a razão que o trouxera ali. Queria mesmo entregar-se a ele. Ser possuída por um macho abrutalhado. Até facilitou-lhe a tarefa de ele tirar-lhe o vestido, que foi atirado longe. O sutiã atrapalhava as manobras de Rufino; e foi ela mesma que o tirou freneticamente, enquanto oferecia-lhe os lábios para serem esmagados pela boca umedecida de vinho.

Sem saber como, estavam rolando na cama. Os corpos fortemente unidos. Ela jamais sentira um prazer tão arrebatador como o que estava sentindo. Rufino era diferente de Gennaro, que nunca fizera aquelas coisas com ela. Gennaro era muito formal: primeiro, as rezas; depois, deitavam-se; e tudo era feito às escuras, debaixo das cobertas. Mas nunca se queixara, porque nunca havia experimentado de outra maneira. Agora, com Rufino, tudo era muito diferente. Pela primeira vez, sentia-se mulher; e, pela primeira vez, estava conhecendo um verdadeiro homem. Ficaram entrelaçados por longo tempo. Quando começaram; ela podia vê-lo por inteiro; agora, mal vislumbrava seu rosto. Olhou para a janelam estava começando a escurecer.

– Deve ser tarde – murmurou.

Rufino acendeu um cigarro, sentou na cama e falou:

– Melhor eu ir.

Ela sentiu-se aliviada. Ele não iria esperar mais por Gennaro. Então, coisa estranha: ela sentiu um vazio. E sua voz saiu em um tom de um quase lamento:

– Vai mesmo...?

Ele não respondeu. Vestiu-se e foi para a cozinha. Ela vestiu um penhoar sobre o corpo nu e o seguiu.

Na cozinha, Rufino apanhou o rifle, que ainda estava encostado à mesa, e estendeu-o para ela, dizendo:

– Entregue para o Gennaro. É o rifle que ele me emprestou.

Foi como uma bomba explodindo no cérebro da mulher. Então, era aquele o motivo da visita? Ele apenas queria devolver o rifle? Então era isso?

Rufino olhava-a, com uma expressão de curiosidade, porque ela ria histericamente.

De repente, a mulher atirou-se contra o homem e, com fúria selvagem, começou a socar-lhe o peito.

Ele deixou-a socá-lo. E, aos poucos, a mulher foi se acalmando, até que ergueu a cabeça e ofereceu-lhe os lábios. Enquanto os dois se beijavam, as mãos do homem arrancaram com brutalidade o penhoar e empurraram a mulher de encontro à mesa...

Quando terminaram, já era noite fechada. Ela acendeu o lampião e falou:

– Na semana que vem, Gennaro tem de viajar novamente...

Rufino apanhou o rifle e começou a caminhar para a porta.

– Não vai deixar o rifle? – Indagou ela.

– Não. Na semana que vem, eu volto para devolvê-lo...