quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Abel Roland


Cineasta, roteirista, maestro e compositor. É dele o premiado curta-metragem “O Cão”.

O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Geralmente as produções de curta-metragem que eu participo são produções das quais eu faço parte da equipe como roteirista ou diretor. Neste sentido, dificilmente participo de uma produção que não seja minha mesmo e que o motivo para ter feito não seja o próprio fato de eu querer me expressar através do audiovisual. Para o caso de eu ser convidado para uma produção de outra pessoa o principal motivo para eu aceitar participar é eu reconhecer no projeto algo que eu ache interessante e que possa ajudar a fazer o melhor filme possível. Quando o filme não é meu, não precisa ser exatamente o "filme que eu faria", mas tem que ser um filme que dialogue de alguma maneira com o que eu creio interessante como cinema. É o caso do cinema autoral, por exemplo. Se um autor me convidar para ajudar em um projeto dele e ao ver o projeto, não é exatamente o tipo de cinema que me agrada, mas é um filme interessante que mostra o pensamento de um "autor" por trás dele, eu irei ajudar o máximo para que o filme mostra esta autoria, mesmo não tendo a estética que eu usaria no filme. Neste ponto eu sou bem chato, pois eu sou formado em música na especialidade de composição musical e neste ramo desenvolvo também vários tipos de atividades. Então, apesar do cinema autoral ser um trabalho difícil, muitas vezes solitário e com pouca grana, eu acredito e tento ajudar a disseminação DESTE cinema, preterindo o cinema mais voltado apenas para o entretenimento. O entretenimento é legal, mas quando a arte é preterida à ele, eu acho que as coisas começam a se complicar um pouquinho. Precisa haver um balanço entre um e outro. Por isso, se for para fazer um cinema que eu não acredite eu prefiro voltar para a música. Como o pessoal do cinema autoral tem pouco espaço, acho que é necessário que todas as pessoas que acreditem neste cinema peguem juntos para se ajudar mutuamente. Cinema é uma arte extremamente coletiva!

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Acho que isto parte de uma concepção cultural que está arraigada na sociedade. Existe uma certa tendência que acredita que todo o diretor necessita começar filmando em curta para poder "treinar" suas habilidades e, quando for suficientemente capacitado, começar a filmar em longa. Creio que esta tendência tenha a ver com a própria história do cinema, que começou com pequenas histórias e a medida que os diretores foram ficando mais ousados, foram querendo contar histórias mais complexas e necessitaram de mais tempo para isso. A partir disto, do meu ponto de vista, criou-se o conceito de que filmes "complexos" só podem ser de grande duração e que o curta serve mais como teste de linguagem ou mesmo para trampolim para longas do que realmente um exercício estético de criar uma obra audiovisual interessante contada em pouco tempo. o Jorge Furtado uma vez disse que isso é uma coisa bem inusitada, pois nunca se vê alguém dizer que tal livro é melhor que outro por causa do número de páginas, ou que alguma música fosse melhor que outra por ter uma duração maior ou menor, mas no cinema isto acontece, ainda que veladamente. Acho que é necessário mudar urgentemente esta mentalidade, mas acho que isto precisa mudar pela raiz, ou seja pelos diretores de curtas. No festival de Gramado andei batendo um papo com um amigo diretor que me contou que estava no seu sétimo curta, porém para ele aquele era seu primeiro curta, pois os outras eram longas que foram diminuídos. Eu acho muito importante atentar para este fato porque é justamente o que eu noto na maioria dos curtas que eu vejo. É TUDO MUITO CHATO (risos). Brincadeiras à parte, eu acho que grande parte dos diretores de curtas ficam se preocupando em contar muita história, em explicar muita coisa e no final o filme fica parecendo um longa com uma duração menor. Para os curtas serem valorizados é necessário que eles mantenham o espectador com um nível de interesse no filme extremamente alto. Para isto eu acho que a história, a situação apresentada ou mesmo a proposta central do filme seja CURTA E GROSSA! Para mim o curta não pode cometer o pecado de ficar esmiuçando explicações que em um longa são necessários, mas que em um curta muitas vezes parecem até redundantes. Em suma, para o curta ser valorizado é necessário uma quebra de paradigmas na sociedade, mas esta quebra tem que começar pela conscientização dos realizadores de que curta não é longa, que tem vantagens e desvantagens frente à um longa e que é necessário exaltarmos estas vantagens e não tentar mascarar as desvantagens.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Olha, esta é uma pergunta bem complexa, da qual eu tenho algumas respostas mas acho que as respostas não são tão simples quanto eu as concebo, por que não é possível que eu tenha pensado tão rápido em uma resposta boa e ninguém tenha atentado para isto (risos). Acho, em primeiro lugar que uma boa iniciativa são os canais que tem programas voltados para o curta e os sites na internet (se o porta curtas não existisse meu repertório de curta seria bem menor). Para mim a internet dá uma boa vantagem para o curta frente ao longa. É só pensarmos em Youtube! que conseguimos tranquilamente nos imaginar vendo um curta nele, mas quando pensamos em longa temos que pensar no tempo que vai levar para ele carregar, que vamos ter que ver a parte 1, 2, 3.... 100 do longa, que vamos ficar por um longo tempo na frente de uma telinha pequena para ver o filme, coisas que não nos incomodam tanto em um curta. Outra maneira de exibição interessante são os ciclos de curtas que certas vezes algumas exibidoras de cinema fazem. Acho que a questão da "lei-do-curta" é uma boa tentativa, mas não tem como dar certo. Não dá para obrigar, nem uma pessoa a ver o meu filme sendo que ela está lá para ver outro, nem o exibidor a exibir meu filme a fórceps. Porém, acho que se existisse um diálogo um pouco maior entre produtores/distribuidores e exibidores poderia haver meios alternativos. Um exemplo: Estes dias estava de viagem marcada para o dia seguinte e precisei comprar um casaco de última hora. Fui ao shopping, experimentei e comprei o casaco, mas precisava ajustar. A loja fazia isto na hora, porém levava 45 minutos para ser feito. Eu odeio passear em shopping, daí tive que ficar 45 parados esperando para pegar o casaco. Ao fazer isto, pensei que não dava para ir ao cinema e assistir um filme, pois perderia muito tempo mas, como todos os shoppings possuem multiplex de cinema, se pelo menos uma sala (poderia até ser uma de tamanho menor) possuísse um repertório reservado ao curta isto seria interessante. Uma sala de alta rotatividade, onde a cada quinze minutos passasse um outro filme. O preço poderia ser um quarto do preço normal do longa, o que faria com que muito mais gente fosse ver o curta e ao mesmo tempo que as pessoas que, como eu, não gostam de passear em shoppings, pudessem se distrair um pouco sem perder as duas horas do longa metragem. Além disso, matematicamente falando, o exibidor poderia aplicar o preço de um quarto do preço do longa que, em teoria, lucraria o dobro, pois se pegarmos a média dos curtas como quinze minutos e do longa como duas horas, no tempo de um longa passariam oito curtas, o que daria o dobro do faturamento se o preço fosse um quarto do ingresso. Lógico que não estou considerando procura do público, mas tenho certeza que tem muita gente no ócio no shopping e sem saco para ficar duas horas dentro do cinema, é um público em potencial. Acho que alguma coisa está errada nesta minha teoria, pois foi concebida tão simples e rapidamente que não deve dar tão certo, mas gostaria de arriscar para ver se dá certo (risos).

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Interessante esta pergunta. Estive com meu filme O Cão em junho de 2011 no Huesca Film-Festival, um festival espanhol grande e importante de curtas. Lá eu conheci dois diretores finlandeses, o Hannes Vartiainen e o Pekka Veikkolainen. Conversando com eles descobri que eles tem uma produtora e trabalham exclusivamente com curtas. Achei bem legal isto, pois é um caminho possível com um pouco de esforço. Troquei mais algumas idéias com eles e vi que é relativamente fácil trabalhar com curtas, desde que haja uma grande produtividade. Se pararmos para pensar, um longa que custe menos de 500 mil no Brasil, provavelmente terá muita gente trabalhando no amor. Mas vamos pegar este valor (500 mil) como longa de baixo orçamento (a Petrobrás considera como  B.O. um filme até um milhão mais ou menos). Se eu gastar 500 mil, para este dinheiro voltar para mim eu preciso ter um plano bem preparado de distribuição. Já um curta de baixo orçamento vai variar entre 10 e 30 mil. O prêmio de quase todo festival um pouco mais importante no Brasil está em torno disto. Ok, confiar em prêmios de festival é como confiar no guarda-costas da família Kennedy e como o Cláudio Assis me disse esses dias: “Cabeça de jurado é como bunda de nenê, nunca se sabe quando vai sair a m...”, mas ainda assim existe a venda para as TVs e essa sim é possível. O Canal Brasil paga em media 10 a 15 mil para curta e lá em Huesca mesmo estávamos vendo e as TVs pagam um valor parecido (10 a 15 mil) só que em Euros. Ou seja, se eu consigo vender um curta de baixo orçamento para dois ou três canais, eu já paguei o filme e já tive um lucro que posso até fazer outro filme. E ainda tem a loteria dos festivais, que sempre alguém tem que ganhar. A questão é só o produto ter qualidade, pois quando tem qualidade consegue entrada em festivais e venda para canais especializados. O único problema é que isto toca numa das deficiências fundamentais do cinema brasileiro: distribuição.

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Acho que sim e me incluo nisso. Acabei de me formar na faculdade de cinema e adivinha o que fiz para me formar? Dirigi um longa. Por que isso? Porque o longa é considerado o formato standard da indústria audiovisual e quando tive a oportunidade de dirigir um, ainda que em conjunto com outras pessoas fazendo com isto que o filme ficasse com uma cara mais grupo e menos autor, não titubeei. Não que isto seja ruim, agora acho super legal ver um filme com a cara de um grupo inteiro e não apenas de uma pessoa. É mais ou menos aquela coisa de ter um filho que tem os olhos do pai e a boca da mãe. No caso deste longa é um filme com características de um grupo de pessoas e não apenas de uma. Mas, voltando ao assunto do longa, não quis deixar passar a oportunidade de experimentar trabalhar em “grande escala” com o longa. Como não sabia quando teria outra oportunidade de fazer um longa quando saísse da faculdade, quis arriscar e fazer esta experiência ainda durante a formação. Neste momento acho que deixei de lado um pouco as minhas convicções para poder experimentar algo diferente. Agora estou tentando me redimir e estou fazendo projetos em ambos os tamanhos, para fazer o que eu disse antes de aproveitar as vantagens que um e outro (curta e longa) possuem.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Não sei se a pergunta era realmente dirigir um curta ou dirigir um longa. Mas em ambos os casos a resposta é sim. Como falei anteriormente, estou com projetos nas duas durações pois gosto de curtir aquela coisa do curta de uma produção mais enxugada, equipe menor, matar tudo em poucas diárias e etc, mas também gosto daquela grande preparação, detalhes intermináveis, semanas ou até meses de gravação que são comuns em longas. Acho que o lance é curtir o que eles podem dar de melhor e se divertir SEMPRE!