sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Os Trapalhões: Jessel Buss


Jessel Buss
Diretor assistente


Como se iniciou sua parceria de trabalho com Os Trapalhões?
Eu trabalhava com o Cacá Diniz na Ponto Filmes; e, como ele faria um dos filmes, chamou-me para integrar a equipe.

Você já trabalhou em outras produções cinematográficas, com outros diretores e outros atores. Que significou para a sua carreira o trabalho com Os Trapalhões?
Já trabalhei com vários grandes diretores e produtores como Tizuka Yamasaki, Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Hugo Carvana, Lael Rodrigues, Ruy Guerra, Leon Hirzman e outros. Os filmes dos Trapalhões eram muito bem produzidos, especialmente depois que foram feitos pela diretora de arte Yurika Yamasaki. Esses filmes tinham um grande aparato de produção, muitos cenários, em que se usava equipes enormes, com qualificação profissional de ponta. E a reunião dessa gama imensa de profissionais tornava o trabalho uma fantástica máquina de criação, de ideias, de inventividade. Os efeitos especiais eram maravilhosos para a época, como, por exemplo, o painting feito pelo excelente artista Arturo Huranga. O painting consistia em pintar em vidro um cenário, tipo um castelo numa montanha, e filmá-lo junto com uma ação verdadeira. Depois, quando se projetava o filme, tinha o castelo no alto da montanha como se fosse real. O uso de tecnologias mais sofisticadas (tanto na captação de imagem com equipamento de última geração, como na finalização) foram sendo utilizadas conforme o orçamento dos filmes deles nos permitiam. Resumindo, os filmes eram verdadeiras oficinas de aprendizado e evolução para todos os profissionais envolvidos. Os filmes se tornaram muito bem acabados, com excelentes resultados de fotografia, cenários, som, trilha sonora, efeitos. E, com isso, com esse esforço de produção, os argumentos, roteiros, elenco também evoluíram. Uma coisa puxava a outra. A qualidade se tornou primordial em todos os aspectos.

Qual era o diferencial de Renato, Dedé, Mussum e Zacarias?
Renato era mais reservado, muito educado, um homem culto e inteligente, sabia o que estava fazendo. Dedé se esforçava bastante para ser produtivo e criativo como o Renato. Mussum era um brincalhão, gostava muito de viver, vivia seu personagem com alegria na tela e fora da tela, quase nunca deixava de ser o Mussum personagem. Zacarias era muito tímido, muito mesmo e muito espiritualizado, uma pessoa muito simples e humana. E todos eles eram ótimos de se trabalhar, jamais criavam problemas ou dificuldades. Eram profissionais e trabalhavam duro.

Quais as lembranças mais marcantes que possui do quarteto?
Eram todos muito alegres, abertos para as pessoas de uma maneira geral, simples, carinhosos, amavam o grande público de verdade, tinham essa identidade no sangue deles.

Que representou, em termos de linguagem cinematográfica, o cinema dos Trapalhões?
Uma pergunta difícil de ser respondida. Mas tinha uma liberdade de representação, de concepção da cena que abrangia não só o quarteto em si (enquanto ação, caras, bocas, diálogos, improvisação) como também se dava no contexto do uso da tecnologia (o uso dos efeitos, do som etc.) e no sentido mais intelectual da linguagem (a inventividade do uso dos planos, ritmos e sofisticação da concepção, da quebra do tradicional, da busca da modernidade etc.). Não sei, sinceramente, qual das atitudes tem mais peso que a outra. Sei que o grande público se identificava demais com eles.

Concorda com a análise de que os Trapalhões sustentaram” o cinema nacional por longo tempo?
Os filmes deles venderam cento e dez milhões de ingressos. Isso trouxe para a distribuidora Embrafilme uma fábula de dinheiro. E, claro, que ajudou e muito. Naquela época, a Embrafilme era o grande braço da produção dos nossos filmes. Além de injetar na atividade cinematográfica como um todo outra quantia gigantesca de recursos.

Renato Aragão deveria ser considerado um dos melhores produtores de cinema de todos os tempos aqui no Brasil?
Com toda a certeza, mas o preconceito faz torcer o nariz de muita gente.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Outra pergunta difícil, mas acredito que o preconceito é o primeiro aspecto, coisa como antigamente não se podia ver novela e ai do ator que aceitasse e ai do homem que visse novela. Eu acho que são posições complexas, porque muitos filmes deles são ótimos e outros não, como existem ótimos filmes do Nelson Pereira e outros não... e assim por diante com vários diretores. Claro, a sociedade intelectual espera sempre sofisticar o aparato da cultura e aprimorar a sensibilidade e a inteligência, o conhecimento mais sofisticado, e expandir essa postura para a maior parcela possível da sociedade. E vejo nisso uma atitude coerente e magnânima, mas isso não tira o mérito e o brilho dos filmes dos Trapalhões.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Eu, em geral, não gosto de classificar nada. Não sou dono de verdade nenhuma. Acho que existe espaço para todos em qualquer atividade do mundo (cinema, teatro, ciência, filosofia, religião etc.). Não gosto de estigmas, nem de conceitos herméticos. O cinema dos Trapalhões é popular, honesto, sensível e muito criativo. É o melhor cinema do mundo? Não! É o pior cinema do mundo? Não! Eu diria a mesma coisa de qualquer cinema do mundo.

A chegada da TV Globo, ao produzir os filmes, deu mais recurso para a trupe. Em contrapartida, muitos classificam os filmes produzidos antes da chegada da Globo como os melhores já feitos por eles. Concorda com isso?
Nunca pensei muito sobre isso. De forma geral, escutei esse comentário algumas vezes. Acredito que os trabalhos fora da TV Globo foram mais artesanais e mais autorais. Na Globo, há ingerência de muita gente; e a coisa se complica e, às vezes, se perde.

Gostaria que contasse alguma curiosidade da sua trajetória com Os Trapalhões, em especial do seu trabalho.
Um dia, cheguei ao set. E o Renato Aragão colocou a mão em meu ombro, chamou a atenção da equipe, e disse: “Se juntar o Jessel e eu dá uns duzentos anos de cinema aqui.” Senti-me elogiado, orgulhoso e respeitado pelo meu trabalho. Senti-me um veterano, e um veterano tem seu valor.