domingo, 1 de abril de 2018

Os Trapalhões: Roberto Farias


Roberto Farias
Cineasta


O filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida é o mais elogiado, dentro da filmografia do quarteto. Renato Aragão afirmou que fez esse filme para agradar a crítica especializada, que sempre batia muito forte nele. Foi realmente com essa intenção que vocês produziram esse filme?
Só ouvi falar disso depois que o filme foi exibido. Como a bilheteria foi de “apenas” 2.600.317 espectadores, menos do que a maioria dos filmes dele costumava fazer e devido à qualidade do filme, acho que ele decidiu falar isso como se fosse necessário desculpar-se.

Certa vez, Ariano Suassuna afirmou que esse filme foi o melhor trabalho que fizeram em relação à adaptação da sua obra. Recorda-se disso?
Não. Não me recordo. Sei que ele gosta. Mas em São Paulo vi Ariano Suassuna dizer que prefere a versão do Guel Arraes, apesar de gostar muito também da minha.

Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Ele e o Paulo Aragão me convidaram. Viram o sucesso dos filmes do Roberto Carlos, as correrias, a agilidade da câmera, exatamente como o Renato espera que sejam feitos os seus filmes.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
A primeira vez que Renato e Dedé filmaram foi comigo. Um curta-metragem chamado A Pedra do Tesouro. Eles ainda não haviam formado o grupo dos Trapalhões, eram uma dupla, que trabalhava na TV Tupi.

Fale mais desse curta.
Ele foi feito para enfatizar a força do trabalho, quando todos colaboram. Naquele tempo, o Consulado Americano contratava alguns cineastas para fazerem curtas-metragens e, em troca, dava latas de filme 35mm. Fiz Toda Donzela Tem um Pai Que É uma Fera com latas de filme que ganhei por esse documentário. O patrocinador era a Aliança Para o Progresso. O contato era um diplomata chamado Hart Spraeger, de descendência russa. Dizem que foi preso como espião, anos depois, quando já estava fora do Brasil. Mas não tenho comprovação.

Os Trapalhões no Auto da Compadecida foi filmado onde?
Uma das restrições do Renato era não filmar mais de cem quilômetros distantes de seu estúdio. Construímos uma cidade cenográfica num terreno da minha produtora, a R. F. Farias, na Estrada dos Bandeirantes; e fizemos o filme lá.

Quais as suas recordações dos bastidores desse filme?
Foi agradável, convivemos em harmonia. Somos amigos. O elenco era ótimo.

O elenco contava com atores de primeiro nível, entre os quais Raul Cortez, José Dumont, Renato Consorte. A escalação do elenco partiu de você ou dos Trapalhões?
A escalação foi minha.

Esse filme teve um público total de 2.610.371 espectadores, além de ter sido um dos raros filmes dos Trapalhões que chegou a ser comercializado no exterior, no caso, para Portugal. Apesar do sucesso, foi o seu único filme com eles. Quais as razões disso?
Não falamos em um segundo filme. Mas acho que, daí em diante, o Renato passou a me ver como diretor de “filme de arte”.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Maravilhoso. Todos muito legais. Profissionais, pontuais, sérios.

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Modéstia à parte, nunca tive problema com a bilheteria. Sempre estive acostumado a fazer milhões de espectadores e nem me passava pela cabeça que poderia ser diferente.

Quem era o maior comediante do grupo?
Era páreo duro. Mas o maior carisma sempre foi do Renato.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Também sou perfeccionista. No meu caso, quem se preocupou fui eu. Ele só viu o filme pronto.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Essa postura é conhecida. Depois de alguns anos, os filmes dele serão “cults”. Mas a Academia que eu presido não pensa como você está afirmando. Ao contrário, Renato recebeu uma grande homenagem numa das nossas festas.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
É um cinema importante para o Brasil Quando se exibe um filme dos Trapalhões, estamos ocupando o mercado e cuidando da nossa cultura, em vez de ver um filme estrangeiro.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato que tenha presenciado como testemunha ocular.
A curiosidade maior foi o tempo que eu levei para convencer Ariano Suassuna a me deixar filmar sua peça. As tratativas começaram em 1960. Mil novecentos e sessenta. Depois que pedi autorização para filmar, ele ainda cedeu os direitos a George Jonas, que fez a primeira versão. Mais ou menos vinte anos depois, consegui que ele me desse autorização para filmar.

Os Trapalhões: Roberta Portella


Roberta Portella
Dublê


Você trabalhou com Os Trapalhões no filme Os Trapalhões e o Rei do Futebol. Como e por quem recebeu o convite para trabalhar com eles, como foi a experiência?
Recebi o convite através da Denise Del Cueto, que foi a diretora de casting desse filme e achou uma foto minha em alguma produtora, pois eu já havia trabalhado como modelo para comerciais. No começo achei que fosse trote... depois vi que era sério. Perguntei se, como dublê, eu teria que me jogar de algum prédio, pegar fogo ou rolar alguma ribanceira!!

O convite foi feito exclusivamente para trabalhar em alguns dias de filmagens que a modelo Luíza Brunet não poderia comparecer?
Sim, a Luíza foi fazer umas fotos nos Estados Unidos, eu acho; e a produção procurou por alguém que a substituísse e assim poderiam prosseguir com as filmagens.

Muitos críticos detonaram a atuação da Luíza Brunet no filme. Qual a sua avaliação a respeito do desempenho dela em Os Trapalhões e o Rei do Futebol?
Difícil julgar. Avaliar uma modelo atuando é o mesmo que avaliar uma atriz modelando....

O fato de ser reconhecidamente uma não-atriz, mas por ser uma modelo de sucesso e ser chamada para um importante papel, não acaba colocando o filme em risco pela atuação desequilibrada, se comparada a outros atores?
Absolutamente!! Em todos os filmes dos Trapalhões sempre chamam para o elenco as celebridades “da hora”. A Luíza Brunet era a modelo mais famosa e falada da época!!! Normal ter sido convidada para brilhar junto a eles! Não acho que desequilibrou o elenco. Cada um tem seu peso. Além do mais, acho que a maneira “bem brasileira” que Os Trapalhões atuam dá liberdade para um não-ator atuar da forma que quiser. Principalmente a mais natural possível.

Quais as lembranças de bastidores do filme? Como foi o seu contato com o quarteto? E com Pelé?
Ao chegar aos estúdios R. A. Produções, fui apresentada ao maquiador e figurinista. Antes de ser apresentada aos Trapalhões, para que eu já aparecesse como Aninha, nome da personagem. Como meu cabelo era mais cacheado que o da Luíza, pensaram em colocar uma peruca mas acabaram alisando meus cabelos pois o corte da época era parecido. A única coisa que não dava pra mudar eram os dezessete centímetros de diferença entre eu e ela, pois o sapato do figurino era uma tênis! Quando fui para os estúdios de filmagem já caracterizada, fiquei um pouco sem graça, com medo de pensarem: “Ih, lá vem o rascunho da Luíza”... Mas não. O Pelé me apelidou de Brunazinha e achei fofo. O quarteto foi simpático, pois acho que, apesar da baixa estatura, o resultado do meu “look” foi satisfatório para que as cenas pudessem fluir sem que o público percebesse a mudança de atriz. Vendo o filme, eu mesma me confundo em algumas cenas... principalmente na cena da “fumacinha”. Fui para atuar um dia apenas, ganhando o que na época ganhava em um mês como atendimento na agência de propaganda de meu futuro marido. Acabaram me chamando para um segundo dia de filmagem!

Gostaria que falasse também da direção de Carlos Manga. Como foi ser dirigida por ele?
Foi maravilhoso!!!! O que mais amei de verdade foi ser chamada de... Roberta!! Meio óbvio, não? Mas pra mim, que estava chegando para um dia ou dois de filmagem ser chamada pelo meu nome pelo Carlos Manga foi muito legal. Senti-me respeitada. E isso só contribuiu para as filmagens correrem bem. Lembro-me de uma hora de tensão em que, numa das cenas, onde a Aninha(eu-Luiza) está presa e presencia a luta entre os rapazes, a produção incrementava a cena com fumaça para dar o “clima” de suspense... E de repente o Manga dá um grito: “Paarraaa, para tudo!!” Tensão geral... silêncio... e eu cá com meus botões “Putzgrila só tenho que ficar aqui com cara de medo sem nada falar e mesmo assim errei??” Então ele prosseguiu com a reclamação: “Gente, vocês não estão pagando uma atriz para que ela substitua a Luíza nessas cenas??” (todos assentiam com as cabeças...). E completou: “Então por que estão mandando tanta fumaça em cima da Roberta, gente?? Assim não dá pra ver nadaaa!! Deixem ela aparecer!!!” Preciso dizer o que senti nessa hora? Não, né? Mas vou dizer mesmo assim: um tremendo orgulho de estar ali naquele estúdio, não só com mestres da tevê brasileira, mas sendo dirigida por um ícone chamado Carlos Manga. Outra situação engraçada foi quando aparecia andando de costas. O próprio Manga veio me ensinar a andar “igual a Luíza”... e quando me mostrou como era, todos morreram de rir!! E ouvi o Pelé dizer “igualzinho”.

O elenco desse filme tinha um time de primeiríssimo nível: Maurício do Valle, José Lewgoy, Milton Moraes, entre outros. Conte a respeito da sua convivência com eles.
Não convivi também com esses, infelizmente, porque nas cenas para as quais fui chamada eu atuava somente com o quarteto e o Pelé. Isso por si só me bastou.

As filmagens eram descontraídas?
Super!! Às vezes, não se sabia se era vida ou ficção!

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Rejeitar Os Trapalhões é como rejeitar a brasilidade do humor popular ainda ingênuo!! O público sabia o que assistiria, ao sair de casa para ver um filme dos Trapalhões. Um filme leve, de humor simples, permeado de aventura entre amigos e romance... Tudo na dose certa para ser popular. Acho que a Academia e os críticos preferem dar peso aos dramalhões que à Comédia.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
D-e-l-i-c-i-o-s-o! Popular!

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular durante esse trabalho com Os Trapalhões.
Curiosidade que tenho a contar não está ligada às filmagens mas à minha própria vida. Ao ser contatada pela Denise Del Cueto, achei que era um trote de minhas amigas porque eu sempre brincava imitando tanto a Luíza quanto a Xuxa posando para fotos... Só vi que não era brincadeira quando a Denise foi tarde da noite à portaria de minha casa me ver. Para analisar se afinal eu seria ou não parecida com a Luíza. Foi tudo muito rápido e precisei ligar para um de meus chefes na agência de propaganda onde trabalhava para dizer que iria faltar no dia seguinte (e também para checar a veracidade dessa história de filmagem!!). Foi assim que soube que um desses chefes era amigo de infância do Paulinho, filho do Renato Aragão e da Denise sua mulher na época e mãe de suas duas filhas. Naquela época sem redes sociais era fácil a gente se perder de amigos... o que prevalecia era mesmo o acaso e a vontade de se ver. Eles se reencontraram e junto acabei conhecendo o casal. A amizade cresceu de um dia pro outro e nossas saídas e conversas me aproximaram desse chefe que acabou se tornando meu marido até hoje. Paulinho e Denise são nossos padrinhos de casamento porque acho mesmo que esse encontro entre nós se deu de forma mágica. Minha atuação foi apenas o veículo para que eu os reaproximasse e juntos fôssemos inspirados pelo jovem casal que já tinha uma linda filha e uma vida tão bacana e legal juntos! Eu brincava com o Paulinho dizendo que eles foram corresponsáveis pelo nosso casamento e ele brincava dizendo que era o corresponsável! Outra historinha engraçada em relação a isso foi que há uns dez anos fui numa festa onde a Luíza Brunet estava. Naquela época eu ainda tinha cabelos longos. Quando a vi, estávamos muito parecidas. Ambas com cabelos presos, vestido preto de um ombro só. As duas! (os dezessete centímetros de diferença ainda lá estavam também!). Aproximei-me dela e disse que gostaria de contar uma história que para mim sempre foi de grande orgulho. Contei que eu havia sido sua dublê no filme e ela foi muito simpática e achou muito engraçado tudo aquilo. Tiramos fotos juntas e quando ela olhou as fotos na máquina digital se espantou e mostrou pra filha dizendo: “Olha, Yasmim, ela é mais parecida comigo nas fotos do que eu mesma!!” Eu fico aqui pensando o que seria de minha vida se a Luíza não tivesse sido chamada para as tais fotos. Se ela não tivesse aceitado mesmo tendo feito um contrato, se não tivesse se ausentado das filmagens, eles não teriam precisado de mim, eu não teria tido essa experiência maravilhosa de contracenar com o quarteto mais famoso do Brasil e ter no currículo ter sido dirigida pelo Carlos Manga, não teria reaproximado os três amigos, não teria me aproximado de meu chefe, não teria me casado com ele, não teria tido a minha linda filha Marina e todos os bichinhos que tivemos juntos... Eu não teria viajado o que viajei e sido feliz como fui! E não teria sido chamada pra responder essas coisas e constar neste livro... O destino é muito doido mesmo.

Os Trapalhões: Rita Erthal


Rita Erthal
Continuísta


Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
O primeiro que fiz foi o Cangaceiro Trapalhão, o Daniel me chamou. No Bar Esperança, eu recebi o convite. O Daniel era ator do filme. Ele chamou mais pessoas dessa produção: o Edgar Moura, o pessoal do som. O Cangaceiro foi muito bom fazer, eles eram carinhosos comigo. O Renato não gostava muito de ensaiar, humor não dá para ensaiar. E, durante as filmagens, ele jogava farinha na equipe.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
Não, eu já era adulta.

Como é trabalhar como continuísta em filmes dos Trapalhões?
As filmagens eram feitas sempre com duas câmeras: uma sempre no Renato e a outra no restante, já que ninguém sabia o que ele ia aprontar diante das câmeras.

Quais as suas principais recordações dos bastidores desse filme?
Ele apagava a claquete ou escrevia outras coisas nela, o Renato sempre foi muito brincalhão.

Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
Eles sempre tiveram uma certa rixa entre eles, nos bastidores eles eram ótimos. Mas nunca deixaram transparecer essa rixa.

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Pra mim, não fazia muita diferença. Em matéria de grana e prestígio, eu já tinha antes. Eles pagavam bem, ficávamos em hotéis ótimos. Os Trapalhões pagavam melhor que o mercado da época.

Quem era o maior comediante do grupo?
O mais sem graça é o Dedé.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Ele acompanhava tudo, a grana era dele. Nos filmes ele teve muito cuidado. Ele sempre gostou muito de cinema.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Durante as filmagens de O Trapalhão na Arca de Noé, o Renato Aragão sabia que o filme dos três, Atrapalhando a Suate, não ia dar certo.

Os Trapalhões: Ricardo Karam


Ricardo Karam
Assistente de produção


Você trabalhou com Os Trapalhões no filme Os Trapalhões e a Árvore da Juventude. Como e por quem recebeu o convite para trabalhar com eles? Como foi a experiência?
Recebi o convite do produtor Caíque Martins Ferreira.

Que representava, naquele período, trabalhar em um filme com Os Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Certamente, uma alegria e motivo de orgulho, já que foram meus “heróis” na juventude. Fiquei honrado e ansioso com o convite. Não via a hora de começar a trabalhar e, mais ainda, aprender.

No filme Os Trapalhões e a Árvore da Juventude, Os Trapalhões são guardas ambientais que tentam preservar a floresta amazônica da devastação. Em toda a filmografia de Renato há essa preocupação com o meio ambiente. Nesse filme, ela é ainda mais explícita. Ele mencionava essa preocupação para vocês?
Sim. Sempre foi um ser humano preocupado com questões ambientais e mais ainda as sociais, principalmente o futuro das crianças brasileiras.

Onde essa produção foi filmada?
Filmamos grande parte dela na Amazônia mesmo (nos rios, igarapés, floresta, barcos regionais e tal). E mais um tanto no Rio de Janeiro, em locações e também em estúdio.

Os filmes dos Trapalhões eram bem recebidos pelo público, mas poucos foram premiados. Nesse caso, em particular, vocês foram premiados no III Festival de Cine Infantil de Ciudad Guayana (Venezuela), em 1993. Qual foi a repercussão entre vocês dessa premiação?
Todos ficamos muito contentes e orgulhosos. Sempre que algum filme ganha um prêmio ou algum integrante da equipe é premiado, meio que nos sentimos igualmente premiados também.

Esse foi o último filme dos Trapalhões com o trio remanescente, após a morte de Zacarias. Foi também o último filme de Mussum, falecido em 1994. Gostaria de saber se havia, nas filmagens, uma tristeza entre os integrantes (Renato, Dedé e Mussum) com a ainda recente morte de Zacarias.
O Mussum era um ponto de convergência entre os quatro. Sempre feliz e zoando tudo e a todos. Elenco e equipe sempre se divertiam com as brincadeiras e armações dele. Certamente, nunca mais foi a mesma coisa. Todos sentiram muito a perda.

Que representou para você trabalhar no filme em que o termo “Trapalhões” foi usado pela última vez no título?
Até hoje, quando estamos numa roda de amigos de trabalho, quando comento que fiz Os Trapalhões e a Árvore da Juventude, os mais novos ficam loucos e me perguntam como era, como eles eram, como era o dia a dia da equipe e tal. Todos ficam siderados com o fato de eu ter trabalhado com os caras que foram os ídolos dessa galerinha quando eles eram crianças. E certamente são até hoje. Respeito total pelo que o Renato Aragão e Os Trapalhões criaram.

Renato Aragão, Dedé e Mussum tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
Sim, claro. Estavam sempre brincando. Levavam o trabalho no set muito a sério, mas com muita descontração. Era um ambiente ótimo de trabalho. Equipe e elenco sempre muito unidos. Lembro que uma vez o Zacarias estava meio que cochilando em sua cadeira, aguardando ser chamado para se vestir e maquiar e tal. O Mussum pegou um balde com água, subiu numa escada bem pertinho da cadeira do Zaca e pronto. Deu-lhe um balde de água fria no cara. O povo riu muito. O Zacarias tomou um puta susto, mas levou na brincadeira tudo.

Havia muita improvisação?
Sim. Totalmente. Todos eles improvisavam o tempo todo. Principalmente o Renato; e, daí, os outros três iam na cola dele.

Quais as recordações que possui do filme?
Essa que contei do Mussum e o balde de água no Zacarias. Outras situações aconteceram, como por exemplo, quando o nosso platô, Johnny Catrolli, precisou pegar uma voadeira (pequena lancha de motor ) e sair do set para ir buscar mais combustível para os outros barcos. Ele demorou muito pra voltar, e eu já estava ficando preocupado. Estávamos filmando nos igarapés no meio do Rio Negro. Peguei um dos jet ski que tínhamos na produção e fui atrás dele. Quando eu estava lá no meio do Rio Negro, o jet pifou; e fiquei à deriva e não conseguia ligar o motor de jeito nenhum. Caí na água, para tentar resolver o problema e verificar o que houve. Tudo estava silencioso, e só se ouvia o som das águas batendo no jet. Senti que não estava sozinho; e, quando olhei em volta, tinha um bando de botos me circundando. Cara, foi tenso pra caramba. Porque eu tentava descobrir se eram botos vermelhos (que são bem dóceis) ou botos tucuxi (que são muito bravos) e não conseguia. Ainda bem que eram os vermelhos, porque, se fossem os tucuxis, eu ia ter que negociar muito com eles pra não me partirem em dois.

Quais as lembranças da direção do cineasta José Alvarenga Júnior, nessa produção?
O Alvarenguinha, como nós o chamamos, era uma doce criatura, além de um profissional da melhor qualidade. Sempre conseguia harmonia entre equipe técnica, elenco e o pessoal de apoio. Era um cara muito educado e focado no trabalho.

Tião Macalé era considerado o quinto Trapalhão. Quais as lembranças dele?
Estive apenas uma vez perto dele. Pareceu-me uma pessoa séria, quando não entrava no personagem. Não tive muita convivência... para falar muita coisa.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Talvez porque nunca seriam capazes de criar algo tão simples e ao mesmo tempo tão verdadeiro, que fala de coisas simples para pessoas simples. Assim como a vida deveria ser. Acho que, como não conseguem explicar o sucesso disso, preferem rejeitar.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Filmes de entretenimento e muito educativos, sempre com temas sociais, ambientais e éticos levantados em suas histórias.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato que tenha presenciado como testemunha ocular.
Estávamos filmando num braço do Rio Negro, em uma diária que prometia ser cheia de agitação e perigos. Era uma cena em que um avião sobrevoava bem baixinho um grande iate que pertencia ao malvados da história. Toda a cena foi marcada pelo diretor e tudo pensado e conversado milhares de vezes. Era uma cena que teríamos que filmar apenas uma vez. Esse avião que é daqueles que pousam em rio deveria iniciar seu procedimento de decolagem ao comando da assistente de direção de “ação, avião”. E ele estava posicionado lá no final desse braço de rio e bem distante, pois precisava de grande espaço até conseguir pegar força e decolar. E, na outra ponta do braço desse mesmo rio, havia o tal iate com os atores e figurantes, todos armados de pistolas e metralhadoras, porque deveriam atirar em direção ao avião. Quando todos estavam prontos pra rodar, a assistente de direção deu pelo rádio o famoso “vamos rodar e ... ação”. Eu estava mais afastado um pouco, junto às câmeras em cima de um dos jet ski da produção (o jet ski nos era bem útil nas filmagens em rios e igarapés); e, de repente, vi a uns cem metros à minha direita uma família dentro de uma dessas canoas ribeirinhas. Ela saiu do nada... de um dos igarapés e ia em direção a outra margem, com intenção de cruzar o braço do rio. Era uma família inteira, pai, mãe e seus três filhos. Cara, eu gelei. Liguei o jet ski e sai voando em direção à família e estava desesperado, porque o avião já havia partido e estava a mil por hora para ganhar força e decolar. Ou seja, se eu não tirasse aquela família dali, o avião iria partir a todos ao meio, inclusive a mim. Ninguém entendeu nada porque eu saí à toda em direção ao avião que vinha no sentido oposto. Só depois é que repararam no que estava acontecendo. Consegui chegar até a canoa. Gritava pra eles voltarem. Mas não entendiam nada e ficaram assustados. Como vi que não iria adiantar, simplesmente tirei uma corda que ficava sempre numa espécie de “porta-malas” do jet, prendi a corda na canoa deles e saí puxando à toda com meu jet ski, voltando pra margem de onde vieram. O pai estava assustado. As crianças também; e a mãe não parava de gritar comigo, xingando-me com sotaque típico dos caboclos da região. mas eu nem ouvia. Só queria tirar a família de lá. E consegui, para alívio de todos. Foi aos quarenta e quatro e meio do segundo tempo, como dizem. Eu estava quase chegando à margem. O avião passou riscando a água, e todos ficaram com os olhos arregalados e bocas abertas de pavor. Daí, nessa hora, entenderam o que eu estava fazendo. Final feliz, como em todas as histórias dos Trapalhões.

Os Trapalhões: Reinaldo Elias


Reinaldo Elias
Figurinista


Como surgiu a oportunidade de trabalhar na produção de figurino do filme O Cangaceiro Trapalhão?
Quem assina o figurino do filme é Marília Carneiro, renomada figurinista da TV Globo e que também assinou vários trabalhos em teatro e cinema. Ela me chamou para fazer parte da equipe de figurino do filme.

O filme O Cangaceiro Trapalhão veio na esteira de sucesso da minissérie Lampião e Maria Bonita, exibida pela TV Globo. O filme contou com Aguinaldo Silva e Doc Comparato, roteiristas da minissérie, assim como também teve o casal de protagonistas, Nelson Xavier e Tânia Alves. Em relação ao figurino, vocês partiram do zero ou utilizaram as referências e peças da minissérie?
Fizemos a mesma pesquisa que foi feita pela minissérie, que também teve os figurinos assinados pela Marília Carneiro. Porém, o Daniel Filho lançou o desafio de dar um diferencial ao filme, sem perder as informações do cangaço, mas revisitadas com humor. Refizemos várias vezes os desenhos de figurino, até chegar na aprovação da direção. Consistiu basicamente numa mudança na palheta de cor e na proporção das roupas, sobretudo as do Renato.

Não tinham receio de comparação, já que essa minissérie foi pioneira na proposta de renovação da linguagem na teledramaturgia da TV Globo? A minissérie foi estruturada com cuidadosa pesquisa histórica, o que não excluiu a inserção de elementos ficcionais na trama.
Nunca percebi essa preocupação de comparação, pois a abordagem “trapalhão” por si só já era um diferencial, com o intuito de divertir o público-alvo infanto-juvenil.

Explique para os leitores como é o trabalho de composição e de produção de um figurinista.
O trabalho começa com a leitura e decupagem do roteiro. Depois, vem a pesquisa e conversas com a direção, para escolher o “caminho” do visual do filme, no caso do figurino. Processo semelhante acontece na cenografia e produção de arte. Uma vez aprovada a proposta e os desenhos, partimos para a produção das peças, o que, em geral, envolve vários profissionais de costura, modelagem das roupas, tinturaria, aderecista, sapateiro etc. Daí, marcamos a prova de roupa com elenco, para uma prova técnica de figurino para ajustes e montagem, uma espécie de edição das roupas. Em seguida, é mostrado para a direção, que aprova, rejeita ou modifica o look.

Por que você só trabalhou nesse filme com Os Trapalhões?
Na época, eu era freelance e fui chamado para esse filme. Depois, outras coisas surgiram; e fui seguindo. E não houve outras oportunidades com essa trupe. Não foi uma escolha minha.

Que esse filme representa na sua carreira?
Esse filme especificamente não teve grande impacto na minha carreira, até porque eu era assistente da Marília. Mas foi legal conhecer aquelas pessoas de cinema e ver como aquilo funcionava. Foi uma boa experiência profissional para outros trabalhos futuros em cinema.

Como Daniel Filho conduziu o processo fílmico dessa produção?
Ele tinha uma atitude sempre questionadora, o que na época estranhei. Mas, depois, percebi que foi importante para tirar a equipe da zona de conforto e ir fundo em outras possibilidades. Percebi a importância daquela atitude, quando vi o filme pronto, na estreia, no antigo Cine Ryan, na Avenida Atlântica. Tinha um grande impacto visual e era muito benfeito e dirigido.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?

Eu não tive muito contato com ele, durante as filmagens; mas o percebi bem tranquilo durante as provas de roupa, até porque ele sabia que estava em boas mãos e que Daniel estava atento a tudo.

Quem era o maior comediante do grupo?
Essa pergunta é bem difícil de responder, pois cada um ali tinha seu lugar e suas qualidades. Dá para ver, durante os esquetes.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Na época, para nós, profissionais, era um filão disputado, pois eles sempre buscaram, tanto na equipe quanto no elenco e direção, pessoas com excelência em suas áreas de atuação. O que resultou em uma série de filmes bons para a faixa infanto-juvenil, que em nossa filmografia nunca foi tão bem agraciada como na série dos filmes dos Trapalhões.

Por que os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos
Trapalhões?
Essa pergunta remete a uma questão complexa; e o que eu disser aqui será apenas minha opinião, pois não tenho embasamento para uma resposta conclusiva. Nossa referência de filmes no Brasil sempre foram os filmes americanos. Os filmes dos Trapalhões eram feitos dentro de um universo regional e tratando de repertório de ideias e humor nacionais. Talvez, por isso, uma certa rejeição da Academia, mas cuja crítica sempre ficou em segundo plano, uma vez que a aceitação do público e da bilheteria falaram mais alto.

Os Trapalhões: Pedro Blank


Pedro Blank
Biógrafo do Zacarias


Como surgiu o interesse em escrever a biografia do Zacarias?
Desde os tempos em que trabalhava em jornal diário, sempre gostei da grande reportagem, um gênero que, em função do momento particular dos grandes veículos de comunicação, está cada vez mais raro na grande mídia. Quando passei a trabalhar com comunicação corporativa, consegui ter tempo para desenvolver projetos de livro-reportagem. Ano passado, lançamos a biografia do Dirceu Lopes, intitulada O Príncipe, que conta a trajetória de um craque do Cruzeiro e da seleção brasileira nos anos1960 e 1970. Com o lançamento do livro aqui, na L5 Comunicação, começamos a pensar em um personagem que tivesse história para contar. Juntamente com os jornalistas Fred Wanderley e Jomar Nicácio, chegamos ao Zacarias, nome que marcou o humor brasileiro de maneira incontestável.

Você já acompanhava a trajetória dos Trapalhões. É fã do quarteto?
Sim. Trago da minha infância a lembrança muito forte dos Trapalhões. Era praticamente “obrigatório” terminar o domingo vendo, nos anos 1980, o programa deles antes do Fantástico . Além disso, nas férias do meio e do final do ano, ir ao cinema assistir aos filmes também era sagrado. Também tinha contato com Os Trapalhões por meio de brinquedos licenciados do grupo, roupa de cama, os copos da Pepsi e vários outros produtos. E acredito que tal relação aconteceu com a maior parte das crianças que viveram os anos 1980. Os Trapalhões, sem dúvida, continuam a trazer ótimas lembranças para os adultos que estão na faixa dos trinta-quarenta anos.

Zacarias é um comediante que teve toda a sua trajetória registrada pela imprensa. Isso irá facilitar seu trabalho?
A referência em material de época é muito importante para a reconstrução da vida do biografado da maneira mais fidedigna possível. Afinal, a memória afetiva pode estar um pouco distante da realidade. Isso é normal. O desafio de uma biografia, na minha opinião, é costurar tantas falas e lembranças em história. Costumo falar que as biografias benfeitas têm 95% de verdade e 5% de mentira.

Há algo a ser descoberto, se tudo já foi mostrado, contado? Qual é o desafio de escrever uma biografia de um personagem tão conhecido?
Acredito que há muita coisa a ser descoberta. A trajetória do Zacarias é amplamente conhecida e pode ser conferida em sites fantásticos, mantidos por pessoas como o Diego Munhoz e o Lozandres Braga, pessoas que fazem um trabalho fantástico para preservar a memória dos Trapalhões. Um desafio que eu vejo para a biografia do Zacarias é desvendar Mauro Faccio Gonçalves. Como era o homem que estava atrás do personagem? É nessa linha que queremos trabalhar.

Renato Aragão, Dedé e Mussum tinham como característica a irreverência. Zacarias, segundo dizem, era o mais introspectivo do grupo. Isso procede?
Eu entendo que o Zacarias levou durante toda sua vida a marca da mineiridade. As raízes de Sete Lagoas sempre estiveram presentes. Como diria o Guimarães Rosa, ser mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer. É falar pouco e escutar muito, é passar por bobo e ser inteligente. Ser mineiro é ser diferente, é ter marca registrada, é viver nas montanhas, é ter vida interior, é ser gente. Eu vejo que o Zacarias comprovava a tese de Guimarães Rosa. Sem a peruca e os dentes pintados, ele passava despercebido. Esse jeitão introspectivo, sem dúvida, era a mineiridade do Zacarias que ele nunca escondeu e carregou por toda a vida.

Zacarias trabalhou muito tempo em rádio. Dizem até que o magnífico trabalho que realizou como radialista foi eclipsado justamente pela fama dele na televisão. O que tem a falar do comediante nesse período na rádio?
O Zacarias deu os primeiros passos como artista na Rádio Cultura, de Sete Lagoas, e na Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte. Ambas existem até hoje. Na capital mineira, por exemplo, ele foi premiado, ainda conhecido apenas como Mauro Gonçalves, por sua atuação como rádio-ator, encarnando personagens fortemente marcados pelas características do interior de Minas Gerais. Esse trabalho abriu as portas para que entrasse na TV Itacolomi, também de Belo Horizonte e já extinta. O rádio, sem dúvida, forneceu a base para que o talento de Mauro Gonçalves fosse lapidado. O Zacarias – embora seja disparado o de maior notoriedade – era apenas um dos diversos personagens criados pelo sete-lagoano.

Na sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Entendo que não podemos estabelecer um ranking dos quatro. Na minha opinião, cada um deles possuía um estilo diferente e que completava o outro. O próprio Dedé já declarou que era o “escada”, nome que se dá para o artista que prepara a piada para o outro comediante. Tal atuação era fundamental para Os Trapalhões. Vejo que a fórmula dos Trapalhões deu certo porque a química entre Didi, Dedé, Mussum e Zacarias funcionou perfeitamente, algo raríssimo hoje em dia, principalmente levando em conta que o humor nacional está cada vez mais voltado para o stand-up.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Acabei de ler, recentemente, a tese de doutorado do André Carrico sobre Os Trapalhões, feita na Unicamp. Na pesquisa dele, confirmamos que o grupo é incompatível com o humor “politicamente correto”, ou seja, faziam piadas de negros, homossexuais e nordestinos. Há um esforço (correto esforço, sublinhe-se) da Academia brasileira em desconstruir o discurso preconceituoso que existe na nossa sociedade. Esse conflito entre os valores da Academia e o conteúdo das piadas dos Trapalhões, a meu ver, é a origem desse pouco reconhecimento da Academia. Mesmo assim, alguns dos filmes do quarteto permanecem, até hoje, como recordistas de bilheteria.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Os filmes dos Trapalhões aconteciam num momento de profunda crise do cinema nacional. Vejo a filmografia dos Trapalhões em dois momentos. No primeiro, os quatro (com destaque para Didi) eram protagonistas das histórias, fazendo grandes obras, como Os Saltimbancos Trapalhões e Os Trapalhões e o Mágico de Oróz. No final dos anos 1980, o quarteto praticamente vira figurante de seus próprios filmes, com destaque para outros participantes, como Angélica, grupo Dominó, Supla etc.

Zacarias era um bom ator no cinema?
O Mauro Gonçalves era um ator completo, capaz de incorporar diversos personagens. Embora seu destaque seja com Os Trapalhões, indiscutivelmente, ele atuou em filmes solo: Tô na Tua, Ô Bicho, O Fraco do Sexo Forte e Deu a Louca nas Mulheres.

Qual o legado histórico que o cinema dos Trapalhões deixou para o país?
Volto a citar, aqui, o trabalho do Carrico. Os Trapalhões levaram a figura dos palhaços para as salas de cinema. À exceção de Zacarias, os demais atuavam de cara limpa, levando para o cinema e também para a tevê aqueles quadros típicos do circo.

Os Trapalhões: Paulo Souza


Paulo Souza
Gaffer de fotografia


Você trabalhou como gaffer de fotografia no filme Os Trapalhões e o Rei do Futebol. Como e em que circunstância recebeu o convite para trabalhar nesse filme? Como foi a experiência?
Nesse filme, eu não fui o gaffer. Fui chamado pelo produtor do filme, Caíque Ferreira, para fazer as filmagens do Maracanã, já que era um set enorme e precisava de várias equipes de eletricistas.

Braço direito do diretor de fotografia no set de filmagem, o gaffer é uma função pouco conhecida para quem não está envolvido diretamente com cinema. Pode nos contar o que ele faz exatamente?
No Brasil, a função gaffer começou basicamente comigo. Até então, chamava-se chefe de elétrica. Na década de 1980, fiz vários filmes estrangeiros e vi que tinha essa função, que era a que eu exercia no Brasil. A diferença é que o gaffer é como um diretor de fotografia assistente. Ele ajuda no conceito, entende de colorimetria, fotometria, lidera toda a equipe de eletricistas e maquinistas, gelatinas, distribuição de energia elétrica no set.

Falando especificamente do filme Os Trapalhões e o Rei do Futebol. Foi um desafio para você o número excessivo de externas? Como foi trabalhar nas cenas iniciais (partida de futebol num campo de várzea) e nas finais (no Estádio do Maracanã)?
Posso falar da parte do Maracanã. Foi muito trabalhoso. Era tudo muito longe. E, como filmamos à noite e não tínhamos os recursos de hoje, “mundo digital”, tinha que iluminar quase todo o estádio.

Os Trapalhões e o Rei do Futebol foi o último filme dirigido por Carlos Manga. Gostaria que falasse a respeito dele.
Não tive muita intimidade com o Manga. Fiz uns comerciais para a Tigre, aqueles com o inspetor Ted Tigre. Eu era muito amigo da assistente de direção dele, Marcia Burg, já falecida. Teve um episódio muito engraçado no primeiro dia no Maracanã. Estávamos nos preparando para filmar, e as coisas começaram a dar errado em alguns departamentos no set. Ele parou a filmagem e chamou toda a equipe no meio do campo e falou: “Vocês estão bons é para trabalhar com polaroid.”

Nessa produção, destaque para dois não-atores: Luiza Brunet e Pelé. Qual a sua avaliação deles no desenvolvimento do filme?
Eu já havia trabalhado com o Pelé em um filme que ele mesmo produziu: Pedro Mico. Com todo o respeito, ele como ator foi um ótimo jogador. Quanto à Luiza Brunet... Trabalhei com ela em um curta-metragem: S. O. S. Brunet!. Nesse tipo de filmes, não precisava ser ator; bastava fazer sucesso na mídia.

Que representava, naquele período, trabalhar em um filme com Os Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
A equipe não tinha essa visão. 99% eram freelances.

Seu último filme com Os Trapalhões é também o último filme deles com a sua formação tradicional: Uma Escola Atrapalhada. Como surgiu a oportunidade de trabalhar nesse filme?
Na época, eu já era um dos melhores gaffers do Brasil e tinha muitos amigos que iriam fazer o filme e eles me perguntaram se eu estava afim de fazer. Fiz e adorei. O diretor de fotografia, Walter Carvalho, eu já conhecia há muito tempo, desde 1983, quando ele foi câmera em Quilombo, filme dirigido por Cacá Diegues.

Quais as suas lembranças do filme Uma Escola Atrapalhada?
Foi muito divertido fazer. Acho que não tenho nenhuma lembrança específica, com exceção de uma cena em que quase morreram os quatro. Foi assim: a galera dos efeitos especiais pediu para o produtor Caíque Ferreira vinte e cinco litros de gasolina, porque tinha uma cena de explosão do carro. E o Caíque disse: “Nem pensar. Vou dar apenas cinco.” Assim foi feito. Fomos filmar. O carro estava estacionado, e os quatro passavam por trás. Quando se acionou o botão do explosivo, foi um cogumelo de fogo que lambeu tudo e Os Trapalhões foram parar longe e por pouco não viraram churrasquinho.

Como foi trabalhar com Del Rangel, que dirigiu esse filme?
O Del é um cara muito bacana. Gosto muito dele. É um exemplo de profissional e amigo.

O filme foi o último com a participação de Zacarias, que faleceu naquele ano. A aparição dele no filme é melancólica, muito magro, abatido, numa cena curta. Como foi o seu contato com ele? Ele já estava doente?
Realmente, ele filmou pouco. Não tive muito contato com ele. Eu tinha mais contato com Renato e Dedé. Não percebi que o Zacarias estava com problemas. Ele fazia as cenas numa boa. Conversava com todo mundo.

O personagem de Zacarias, assim como os de Dedé Santana e Mussum, fizeram apenas uma breve aparição. A sensação é que pareciam figurantes no filme. Isso procede?
Não. Esse filme foi basicamente escrito para a Angélica e o grupo Polegar. Os Trapalhões fizeram uma participação.

Apesar do sucesso de bilheteria, o filme é considerado pela crítica o pior filme antes da morte de Zacarias. Qual é a sua opinião a respeito?
Acho que esse tipo de filme não tem essa de ser bom ou ruim. São filmes para dar dinheiro. São filmes comerciais. Veja pelo elenco: grupo Polegar, Gugu, Supla...

Quem era o maior comediante do grupo?
Renato e Mussum.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sim. Esse é um dos motivos do grande sucesso dos Trapalhões.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Porque são os únicos que davam bilheteria. Acho que, às vezes, precisamos nos tocar que ainda somos um país com um nível muito grande de analfabetos e semianalfabetos, ou seja, povão! E povão quer é sorrir e não ficar vendo filme-cabeça.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Chaplim, Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo, Chico Anysio, Golias, Os Trapalhões... Para mim, estão todos no mesmo nível, em diferentes épocas.

Gostaria que falasse o que representou para você trabalhar com Os Trapalhões, que carregaram, por muito tempo, o cinema nacional nas costas.
Fiz Os Trapalhões e o Rei do Futebol, Uma Escola Atrapalhada, Didi, o Cupido Trapalhão. Fico muito feliz de ter participado de um pouco dessa escalada. Um grupo de artistas que fez o Brasil sorrir por muito tempo. Lembro quando morava em Minas, eu ainda criança, meus pais sentados em frente à televisão esperando a hora de começar o programa dos Trapalhões. Passaram-se os anos, e eu aqui com eles. Não é maravilhoso? E ainda sou amicíssimo do Paulinho Aragão, filho do Renato, que é um cara muito gente boa.